Por que o cavalheirismo é ruim para as mulheres?

  • Carol Patrocínio | Preliminar
Por que o cavalheirismo é ruim para as mulheres?

Não sei se vocês sabem, mas eu sou gordinha - vocês vão entender a importância dessa informação logo, prometo – e ontem passei por um momento bem constrangedor, que me fez pensar nessa questão de cavalheirismo. E em como ele se difere da gentileza.

Entrei no trem com duas amigas. Estávamos conversando, numa boa. Um cara, sentado em assento preferencial, olhou para mim e perguntou “é gestante”? Prontamente respondi: “não, sou apenas gorda”. E dei um sorriso. Aí você pode pensar: mas, Carol, por que ser grossa com o moço? E eu respondo: porque ele não estava sendo gentil, nem educado, ele estava apenas seguindo a lei e fazendo isso de uma forma bem horrível – ele nunca pensou que uma mulher pode ficar ofendida com essa pergunta? Ou que ela pode ter acabado de perder um bebê? Ou que ela está com gases?. Porém essa situação tem um poder incrível para que fique clara a diferença entre cavalheirismo, obrigação e gentileza. E em como isso tem impacto na nossa vida, como mulheres.

Se ele estivesse sendo gentil, não teria perguntado nada, apenas oferecido o lugar para qualquer pessoa que ele acreditasse precisar mais do que ele. Podia ser realmente uma gestante, um idoso, uma pessoa com criança no colo ou um deficiente físico (mesmo isso se encaixando na obrigação), mas ele faria o mesmo com qualquer pessoa cheia de sacolas ou com cara de que teve um dia daqueles.

Em casos de gentileza, todo mundo sai ganhando. Quem fez o gesto fica feliz porque acredita naquilo como estilo de vida e quem o recebeu, fica feliz porque realmente precisava de ajuda. Tudo lindo e um mundo melhor à caminho.

Quando é cumprimento de obrigação, a coisa muda um pouco. Só receberá a oferta quem está representado no desenho que acompanha os bancos preferenciais. Isso pode ser transportado para milhares de outras situações, mas o importante é perceber que se a lei não protege você, ninguém se importará com seu bem-estar.

O impacto é uma sociedade que segue cada vez mais egoísta, que só pensa no próprio umbigo, finge que está dormindo no banco coloridinho e não dá lugar ao outro porque ninguém vai ser preso “só” por aquilo.

E o pior de todos é o cavalheirismo. Com ele, você nunca terá benefício sem que algo em troca seja exigido. Normalmente é sexo. O cara cede o lugar para conseguir puxar papo e te comer. Ele carrega suas compras porque acha você gostosa e adoraria te comer. Ele abre a porta do carro porque você vai achar fofo e, no fim, ele vai te comer.

Parece exagero, mas alguém é cavalheiro com a mãe do amigo? Com aquela senhorinha bem velha que apareceu na rua? E com aquele cara do trabalho que tem uma deficiência? Não. Cavalheirismo só existe do homem para a mulher. Só existe quando há interesse.

O raciocínio é o mesmo do assédio de rua – que as pessoas insistem em chamar de cantada. Esse assédio não é um primeiro passo para que as pessoas se conheçam, é só uma maneira de mostrar que o cara poderia te comer, bem ali. Um exemplo: uma amiga estava voltando do mercado cheia de sacolas. Parou para esperar o farol fechar. Um cara passou e disse tudo que ele poderia fazer com o corpo dela. Não, ele não ofereceu ajuda. Não, ele não puxou papo. Ele apenas deixou claro que adoraria comê-la.

No fim das contas, assédio nas ruas, cavalheirismo e a invenção de “friend zone” têm tudo um mesmo propósito: mostrar que o homem tem o poder de te convencer que ele poderia comer você ali mesmo, sem que você queria, sem que sua opinião importe muito – já que ele acha que pode muda-la ao abrir a porta do carro.

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