Demora em júri de réus por mortes de policiais gerou mais crimes, diz advogado
Criminalista que atua como assistente de acusação cita acusados que tiveram envolvimento em outras ocorrências, uma delas de roubo seguido de morte
Assistente de acusação no processo que tramita há 12 anos pelo assassinato de dois policiais civis em Dourados, o advogado Maurício Rasslan afirma que a demora no julgamento dos acusados já gerou mais morte. Enquanto a Justiça Federal não decide onde fará o júri popular que decidiu tirar de Mato Grosso do Sul, alguns dos nove réus tiveram envolvimentos em outros crimes e um deles chegou a ser preso por latrocínio cometido em Caarapó.
Nesta segunda-feira (2), em entrevista ao jornalista Sidnei Lemos, o repórter Bronka da 94FM, o criminalista lamentou o desaforamento do processo, que tramitava em Dourados, mas foi levado para São Paulo depois que desembargadores federais acataram ao argumento da defesa de que "os integrantes da sociedade de Dourados/MS adquiriram, ao longo dos anos, um preconceito social grave contra os índios que entre eles ou perto deles vivem", motivo pelo qual comprometeriam “o interesse da ordem pública” e afetariam a “imparcialidade do conselho de sentença”.
DESAFORAMENTO
“Esse processo todo estava pronto para julgamento ainda em 2009 ou 2010. A tramitação ocorreu na 1ª Vara Criminal Estadual de Dourados, quem presidia o processo era a doutora Dileta [juíza Dileta Terezinha Souza Thomaz] e atuou brilhantemente neste processo o doutor João Linhares, promotor de Justiça. Mas uma decisão do STJ [Superior Tribunal de Justiça] tirou a competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal neste caso, e aí começaram os imbróglios jurídicos de lá para cá. Lógico, numa tentativa da defesa de procrastinar, de fazer demorar o processo”, pontua Rasslan.
Segundo o advogado, há 12 anos tem sido travada uma batalha grande pelas famílias. “O júri vai acontecer no Estado de São Paulo. Ele foi desaforado, também numa manobra da defesa e com a chancela do Ministério Público Federal que inclusive atua comigo no processo, chamando a população sul-mato-grossense de ‘impregnada de preconceito’”.
PRECONCEITO
Rasslan refere-se à decisão unânime tomada no dia 1º de setembro de 2016 pelos desembargadores da 11ª Turma do TRF 3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), que acolheram a argumentação dos procuradores da República de que "os integrantes da sociedade de Dourados/MS adquiriram, ao longo dos anos, um preconceito social grave contra os índios que entre eles ou perto deles vivem", acrescentando que "tal fato decorre desde o estranhamento puramente cultural até a luta e os graves conflitos fundiários que se estabeleceram em todo o Estado do Mato Grosso do Sul".
Mesmo após o desaforamento, o caso seguiu sem desfecho. “O processo saiu de Dourados e foi para a 1ª Vara Criminal de São Paulo, mas o juiz de lá disse não ser competente para julgar e recomendou que o processo fosse para Presidente Prudente, mais perto de Mato Grosso do Sul. Mas o juiz de Presidente Prudente quer que seja julgado em São Paulo capital. A briga está entre as duas varas federais”, detalha.
COMPETÊNCIA
Conforme revelado pela 94FM, o processo teve sua mais recente movimentação no dia 15 passado, quando o desembargador federal Nino Toldo pediu vistas – mais tempo para analisar a ação. Isso aconteceu depois que o relator do caso na Corte, José Lunardelli, votou por considerar a 1ª Vara Federal de São Paulo competente para o julgamento.
Como ainda aguardam para votar os desembargadores federais Fausto De Sanctis, Paulo Fontes, Maurício Kato e André Nekatschalow, não há previsão de prazo para definição sobre o local do júri popular, a capital paulista ou a interiorana Presidente Prudente, vizinha de Mato Grosso do Sul distante 434 quilômetros de Dourados.
JULGAMENTO
Rasslan avalia que a decisão do local do júri pode levar um ano. Como há possibilidade de recursos de lado a lado, estima que o processo ainda perdure por até quatro anos sem um desfecho sobre condenações ou absolvições. “Justiça Federal não tem o hábito de fazer júri popular”, pondera.
Constam como réus Carlito de Oliveira, Ezequiel Valensuela, Jair Aquino Fernandes, Lindomar Brites de Oliveira, Paulino Lopes, Herminio Romero, Jair Aquino Fernandes, Marcio da Silva Lins, Sandra Arevalo Savala e Valmir Junior Savala. Eles são acusados do crime ocorrido por volta das 16h30 do dia 1º de abril de 2006, na rodovia MS-156, entre a cidade de Dourados e distrito de Porto Cambira, em frente ao acampamento indígena denominado pelos índios como "Passo Piraju".
GUERRILHA
Conforme a denúncia oferecida pelo MPF (Ministério Público Federal), os investigadores do 1º DP (Distrito Policial) de Dourados Rodrigo Pereira Lorenzatto, então com 36 anos, Ronilson Bartie, com 26 anos, e Emerson Gadani, à época com 33 anos, estavam num veículo descaracterizado da polícia e foram abordados numa emboscada pelos índios, que tomaram as armas dos policiais e executaram, com tiros e golpes de faca, Rodrigo e Ronilson. Ferido, Emerson Gadani fingiu-se de morto e conseguiu ser socorrido; ele deixou a ativa após o trauma.
“Eles usaram tática de guerrilha. Aquilo que eles usaram para fazer parar o veículo, aonde eles estavam aguardando. Isso é coisa que foi ensaiada inclusive. Não deixaram inclusive pessoas que transitavam socorrer o Gaddani”, afirma o advogado que atua na assistência da acusação.
MAIS CRIMES
Ainda segundo Rasslan, alguns desses réus já foram presos novamente por crimes como receptação, porte ilegal de arma de fogo e até latrocínio. “Que eu tenho conhecimento está preso o Paulino Lopes. Ele está solto por esse processo [da morte dos policiais], mas foi preso depois por latrocínio, roubo seguido de morte. Ele e outro mataram um homem em Caarapó para roubar a motocicleta. Tomou 20 anos de cadeia. Se o STJ não tivesse soltado ele, esse crime não teria acontecido. Ele estaria preso. O Ezequiel Valensuela depois ele respondeu processo por tráfico de drogas, foi condenado e está foragido”, destaca.
O advogado elogiou a “celeridade, rapidez e excelente instrução que teve esse processo na 1ª Vara Criminal Estadual de Dourados, presidida então pela juíza Dileta. “Ela foi uma juíza altamente eficiente juntamente com o Ministério Público, o doutor João Linhares, o processo ficou rapidamente pronto para julgamento e só não foi a julgamento porque houve esse recurso no STJ tirando da mão da Justiça Estadual e passando para a mão da Justiça Federal. Se não, isso já estaria resolvido há muitos anos atrás”, pontua.