Contemplados que não precisam de imóveis vendem casas populares em sites de anúncios

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Contemplados que não precisam de imóveis vendem casas populares em sites de anúncios

Contemplados pelos programas habitacionais do poder público em Mato Grosso do Sul, que teoricamente estariam precisando das moradias, vendem as casas populares em sites de anúncios e mostram que o processo de seleção não investiga corretamente quem merece ser beneficiado.

Em simples buscas em websites de classificados é possível localizar vendedores anunciando casas populares que receberam de programas públicos de moradia. Por telefone, a reportagem confirmou que os comerciantes usam contratos de gaveta e procurações feitas nos próprios cartórios de Campo Grande para efetivar as negociações.

Líder comunitário de um dos residenciais construídos pelo poder público em Campo Grande confirma a prática, e diz que ouve muitos rumores de pessoas ligadas a políticos que recebem várias casas em nome de parentes para negociar.

"Isso é prova de que as casas populares se tornaram mais uma forma de politicagem. Quem passa um tempo na Agehab ou na Emha e arma os esquemas lá já sai com mandato garantido. Tem político se beneficiando descaradamente da necessidade dessas pessoas e, como a corrupção é tolerada, quem recebe a casa também quer ganhar", resume

No site Bom Negócio é possível encontrar pelo menos três anúncios de venda de casas, todas de imóveis no Residencial Vila Fernanda, no Portal Caiobá, entregues no fim de 2012.

Só esperar

Fernando colocou a casa da irmã Sônia à venda por R$ 60 mil no dia 4 de setembro. Na descrição, frisa que a casa está financiada com parcelas de R$ 28 mensais e que o comprador, através de contrato, assume o restante da dívida. Ele ainda cita que pega carro no negócio.

Ligamos para Fernando, que confirmou que a casa foi conseguida na Emha (Agência Municipal de Habitação de Campo Grande). Perguntamos se haveria problema por sua irmã ter sido contemplada e Fernando tranquiliza: “Agora está tranquilo. Ficam em cima no começo, quando entregam as casas. É só esperar um, dois anos, para vender”.

O vendedor explica que não é possível transferir a casa, pois ela foi sorteada. “É só fazer contrato entre as partes com bons advogados que dá tudo certo. Várias pessoas desse residencial já venderam e não deu problema”, explica.

Pelo Whats

Já Eliane demonstra pressa em vender a casa até no título do anúncio: “Casa nova urgente aproveite”. Ela pede R$ 39 mil no imóvel que recebeu com subsídios dos cofres públicos. Na descrição do anúncio, publicado dia 19 de novembro, ela passa até o contato pelo WhatsApp.

Tentamos colocar um carro no negócio, e Eliane se diz aberta a ouvir propostas. Perguntamos sobre a documentação e se haverá transtornos pela compra ser ilegal e Eliane responde, sucinta: “Contrato de gaveta mais procuração”.

Advogado “de confiança”

Etelvina cobra R$ 50 mil de casa que, segundo a descrição, está com a escritura “ok”. A vendedora, que inseriu o anúncio dia 17 de outubro, também tem pressa e é toda ouvidos: pedindo que o comprador ligue para ela e finalizando a descrição com um “vamo negocia”.

A conversa é a mesma de Fernando e Eliane. Por telefone, Etelvina garante que dará tudo certo e, para evitar imbróglios, aconselha o mesmo que Fernando: um advogado “de confiança”, para fazer o contrato e a procuração.

Nenhuma novidade

Segundo os cadastrados no programa, venda, troca e até aluguel das casas não é novidade. “Enquanto tem gente há mais de 10 anos esperando, tem gente que pega a casa, vende e continua na lista. Toda vez que recebem fazem a mesma coisa”, conta funcionária pública.

“Nas casas que entregaram este ano na Nova Campo Grande já alugaram e venderam, com contrato de gaveta. E pior é que não vão investigar e vai continuar assim”, diz cadastrada que não quis se identificar. “Virou comércio imobiliário essas casas”, ressalta outro.

Moradores da Favela Portelinha que foram contemplados em outubro com casas nos residenciais Ary Abussafi e Gergório Corrêa também denunciaram a venda, aluguel e troca de casas por veículos. “Ficamos indignadas, pois é difícil conseguir o imóvel próprio, sabemos de quem precisa e quando chegamos aqui vemos esta situação escancarada”, relata uma das contempladas.

Venda e compra pode custar caro

De acordo com a Prefeitura, o agente financeiro, a Caixa Econômica Federal é o responsável pela fiscalização da comercialização irregular das casas. Segundo a assessoria, se detectadas venda, troca ou aluguel das mesmas, o beneficiário perde o imóvel e o comprador perde a isenção, tendo que pagar o valor integral do imóvel ou ser sujeito à reintegração de posse.

O que fazer?

A Caixa disponibiliza o telefone da ouvidoria (ligação gratuita): 0800-721-6268. Aqueles que tiverem alguma informação a respeito da venda dos imóveis devem entrar em contato.

A delegada Ariene Cury, titular da Dedfaz (Delegacia Especializada na Repressão de Defraudações e Crimes Fazendários) declarou que não há nenhuma denúncia registrada na delegacia sobre venda, troca ou aluguel de casas populares.

Ariene orienta os cadastrados que tiverem informações de indícios de comercialização das unidades habitacionais a procurarem a Dedfaz para que seja feita investigação.

Parada?

O vereador eleito deputado federal Zeca do PT encaminhou pedido de abertura de investigação ao MPE (Ministério Público Estadual). “É um absurdo, uma vergonha. Fico triste de ter que falar disto novamente. Ninguém investiga nada. Famílias sem necessidade sendo sorteadas e depois vendendo as casas enquanto várias famílias precisam de uma moradia”.

O MPE ficou de verificar se há processo em andamento investigando a venda das unidades habitacionais, mas não retornou até o fechamento desta matéria.

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