Atletas remam contra a imundície do Rio Capibaribe
Barcos na água, os remos cortam o rio com cuidado para não apanhar algum banhista de surpresa - ou até nadadores em treinamento. A cena era comum até a metade do século 20 no Capibaribe, rio que corta o Recife. A imagem atual, entretanto, mudou: os remadores do Sport Club do Recife, agora, se preocupam tanto com a sincronia dos movimentos, quanto em desviar dos dejetos que poluem o Capibaribe.
Algumas vezes os detritos são imensos e flutuantes como geladeiras e sofás. Noutras, submersos e pontiagudos, causam danos, furos ou mossas que tiram a estabilidade dos barcos. O treinador da equipe rubro-negra de remo, Bruno França, conta que a principal causa da imundície é o descontrole sanitário dos novos prédios construídos, que desovam suas fossas diretamente nos rios do Recife. A cidade é conhecida como a 'Veneza Brasileira, mas a imagem atual, entretanto, mudou: cardumes deram lugar a dejetos, as redes de pesca voltam mais vazias e o remo pernambucano afunda no lixo do mangue que não existia.
À medida em que a sujeira foi tomando conta dos rios pernambucanos, o remo passou a perder espaço e visibilidade. "É muito difícil sobreviver apenas como remador", conta Bruno França. Atualmente, Pernambuco conta com apenas dois clubes para disputa de competições deste esporte olímpico: o Sport e o Náutico. São equipes que se colocaram entre as principais do Norte-Nordeste e já brigaram com as maiores do País, mas atualmente não recebem o investimento necessário, principalmente para um esporte que conta com equipamentos tão caros.
Vários dos barcos do Sport estão deteriorados não só pelo tempo, mas também por colisões com lixos sólidos do Rio Capibaribe. Para comprar um novo barco e voltar à disputa das competições em alto-nível, o Sport tentou uma nova iniciativa, o crowdfunding (ou investimento coletivo). A ideia é juntar investidores para arrecadar R$ 100 mil. O objetivo de Bruno é tentar colocar o clube rubro-negro novamente entre os melhores do Norte-Nordeste.
Outra barreira que o esporte sofre é em relação à visibilidade. Um esporte que normalmente atrai pelo contato com a natureza está afastando possíveis praticantes justamente pelo desgaste que existe no Capibaribe. "Poucas pessoas se interessam em praticar remo aqui em Pernambuco. Eu digo isso até pelo contato que temos com o Náutico e não é diferente. As pessoas veem a situação do rio, sentem o cheiro... Quem quer conviver com isso? Além da rotina desgastante que temos", conta Bruno França.
Os remadores esperam mudanças efetivas nas políticas públicas de limpeza do rio, que filtram principalmente lixos sólidos. Para os esportistas, a mudança tem que incluir o sistema sanitário dos prédios que ocupam as margens do rio. Além de uma conscientização geral dos recifenses para contribuir com que o Capibaribe volte a ser usado não só para o próprio remo de maneira segura, mas também outros esportes aquáticos como o caso da natação.
Ainda assim, o semblante de Bruno França não é dos mais esperançosos em relação ao Capibaribe. Talvez o tom pessimista seja pela vivência nestas mais de duas décadas remando em águas que tendem a escurecer e exalar um odor cada vez mais forte. Ou talvez seja só uma visão realista da derrocada do remo pernambucano em relação ao cenário nacional.