Trump poupou de veto pessoas de países em que ele fez negócios
A ordem executiva do presidente Donald Trump para proibir a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de sete países predominantemente muçulmanos está sendo devidamente questionada nos tribunais por, entre outras coisas, sua interferência inconstitucional no livre exercício da religião e negação ao devido processo legal.
Em meio ao furor, acabou sendo ignorado outro perturbador aspecto da situação: o presidente Trump omitiu de sua proibição algumas outras nações predominantemente muçulmanas onde sua empresa fez negócios. Isso agrega ainda mais ilegitimidade a uma das ações executivas mais arbitrárias de nossa história recente, e levanta questões constitucionais significativas.
Os sete países cujos cidadãos estão sujeitos à proibição são relativamente pobres. Alguns, como a Síria, estão sendo devastados pela guerra civil; outros estão só agora saindo da guerra. Uma coisa que esses países têm em comum é o fato de que são lugares onde a organização Trump não tem ou praticamente não tem negócios.
Em compensação, outros países muçulmanos vizinhos não estão na lista, ainda que alguns de seus cidadãos representem um risco tão grande —se não maior— de exportar terrorismo para os Estados Unidos.
Entre eles estão a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Egito. A grande maioria das pessoas que vivem nesses países, assim como as pessoas que vivem nos sete países que estão sujeitas à proibição de imigração, é pacífica e obediente à lei. Mas esses três países exportaram terror para os Estados Unidos no passado. Foi de lá que saíram 18 dos 19 terroristas que perpetraram os atentados de 11 de setembro em solo americano (um ataque que foi idealizado pelo saudita Osama Bin Laden com a ajuda de um egípcio, Ayman al-Zawahri).
Esses países, diferentemente daqueles sujeitos à proibição, são aqueles onde Trump fez negócios. Na Arábia Saudita, a sua mais recente declaração financeira ao governo revelou diversas sociedades limitadas de Trump. No Egito, ele tinha duas empresas do grupo Trump registradas.
Nos Emirados Árabes Unidos, ele havia licenciado seu nome para um campo de golfe e um empreendimento residencial de luxo com spa em Dubai. Algumas dessas empresas fecharam desde então, e outras permanecem ativas.
Olhar para outras nações com grandes populações muçulmanas só reforça esse padrão perturbador. A Turquia, a Índia e as Filipinas poderiam todas representar riscos similares aos dos países banidos que preocupam o presidente. No entanto, Trump fez negócios em todos esses três lugares. Eles também foram omitidos da lista.
É claro que não estamos querendo dizer que qualquer um desses outros países deveria ser acrescentado à lista. Um veto específico por país, que segundo especialistas seria uma forma ineficaz de combater o terrorismo, não deveria existir.
Em vez disso, nosso governo deveria examinar todos os imigrantes em busca de ligações em potencial com crimes ou terrorismo, como vem sido feito há muito tempo. Uma discriminação baseada na nacionalidade da pessoa é uma tentativa mal disfarçada de discriminar com base na religião. E, de fato, o presidente Trump admitiu que ele quer priorizar o assentamento de refugiados cristãos.
A natureza arbitrária e discriminatória dessa ordem é ruim o suficiente; mas, se o presidente também está considerando recompensas para a organização Trump, é muito pior.
Como apontamos em uma ação judicial que iniciamos em caráter oficial contra o presidente, pagamentos para o presidente não somente são antiéticos, como também inconstitucionais se vindos de governos estrangeiros ou entidades controladas por governos estrangeiros, tais como fundos soberanos e bancos estatais.
A Cláusula dos Emolumentos da Constituição proíbe que qualquer um que detenha uma posição de confiança dentro do governo americano, incluindo o próprio presidente, receba benefícios econômicos de acordos de negócios com governos estrangeiros.
Sem a declaração de renda do presidente Trump e outras informações sobre seus negócios particulares, não sabemos a extensão dos benefícios econômicos que ele recebe de governos de países que representam um risco de terrorismo mas não estão em sua lista de países vetados.
O que sabemos é que o presidente Trump em geral se recusou a se desfazer de seus negócios, a revelar quais são os benefícios de governos estrangeiros que estão entrando nesses negócios e a divulgar sua declaração de renda, e insistiu que simplesmente por ser presidente, ao contrário de algum outro funcionário de baixo escalão, ele "não tem conflito de interesses".
E agora, com somente uma semana de mandato do presidente Trump, estamos vendo as consequências devastadoras desse conflito de interesses. Aparentemente, os imigrantes de países que podem fazer negócios com a organização Trump são livres para entrar e sair dos Estados Unidos.
Imigrantes de países que não podem fazer tais transações podem ficar retidos no aeroporto e serem enviados de volta para casa, alguns deles com o risco de morrer.
Depois das eleições muitas vezes ouvimos a frase "ao vitorioso pertencem os espólios". Mas existem limites éticos e constitucionais para essa máxima. Nesse caso, um já suspeito veto à imigração está sujeito a ainda mais dúvidas porque o presidente Trump pode estar olhando para seus interesses como empresário, ao mesmo tempo em que toma decisões sobre seres humanos que querem vir para os Estados Unidos para estudar, ganhar a vida, fugir de perseguições e, em alguns casos, sobreviver.
Por Richard W. Painter e Norman L. Eisen. *Richard W. Painter, professor na Escola de Direito da Universidade de Minnesota, vice-presidente da Cidadãos pela Responsabilidade e pela Ética em Washington, onde Norman L. Eisen é o presidente. Eles foram os advogados-chefe de ética da Casa Branca para os presidentes George W. Bush e Barack Obama, respectivamente