Terra sem lei, município mexicano pega em armas para expulsar "Cavaleiros Templários"

  • Opera Mundi

A tensão e o silêncio são intensificados pelo ruído cada vez mais insistente e próximo dos helicópteros militares que sobrevoam o morro de Tancítaro, a poucos quilômetros de Uruapan, no vale dos Reyes. Em Pareo, uma pequena comunidade perto de Tancítaro, vários caminhões do Exército mexicano estão saindo do povoado. Uma caminhonete, com os símbolos de um grupo de autodefesa comunitária, está jogada ao lado da rodovia, com os pneus e a parte dianteira explodidos, atacados por granadas e metralhadoras. Os furos de bala nas portas e janelas são numerosos.

Um policial comunitário usando camiseta branca carrega uma escopeta e uma pistola e indica uma pequena plantação de abacate de um lado da rodovia. “Aí estão os mortos. Os Templários nos atacaram, filhos da mãe. Aí estão, jogados. Ânimo, jornalistas!”. De fato, ali estão dois corpos jogados entre os abacateiros. Alguns moradores retiram deles armas, cartuchos e jalecos para poderem reutilizá-los. Continua o ruído dos helicópteros, que não deixam de voar sobre essa pequena comunidade remota.

Entrar no povoado de Pareo é impactante. Centenas de policiais comunitários, “os brancos”, pela cor de suas camisetas, circulam armados até os dentes, sorridentes, alegres. Na pequena praça, as pessoas do povoado se reúnem e escutam as palavras do homem-símbolo das autodefesas, doutor José Manuel Mireles, o líder carismático que conseguiu se tornar porta-voz e um dos coordenadores-gerais do conselho das autodefesas de seu município, Tepalcatepec, desde o levante armado da cidade.

Alto, bigodudo, chapéu negro, rádio pendurada na camiseta e microfone na mão, ele explica às pessoas de Pareo que não precisam ter medo, que os Templários não vão voltar, que a autodefesa vai continuar ali. Nessa fase, um grupo de autodefesa precisa se formar aqui, construir barricadas, resistir aos ataques do crime organizado. Os habitantes de Pareo estão contentes, mas, ao mesmo tempo, espantados. Não querem pedir a palavra em público pelo medo dos possíveis falcões (dedos-duros) presentes. Sabem do que são capazes os Cavaleiros Templários e temem sua vingança.

O cartel foi formado após uma divisão no grupo La Familia, outro grupo criminoso que opera em Michoacán e com o qual travam uma guerra desde a morte em dezembro de 2010 de um dos fundadores desta organização, Nazario Moreno.

“Mas também estávamos fartos”, grita uma senhora. “Não aguentávamos mais esses delinquentes”. Sua filha está gravando o discurso de Mireles com um tablet, e, enquanto isso, chora e sorri. “Choro de felicidade”, me diz, “porque não acreditava que poderíamos nos libertar desses mafiosos. Não posso deixar de chorar”.

Enquanto os caminhões do Exército deixam o povoado, María, a senhora, explica como, durante a manhã, os soldados tinham desarmando os comunitários. “Supúnhamos que iriam nos ajudar, mas, quando chegamos, os soldados começaram a tirar as armas dos policiais comunitários. Então nós, mulheres, começamos a gritar que não era justo, que iríamos ser mortos pelos Templários, e as recuperamos. E fizemos o correto, porque esses cachorros nos emboscaram, lançaram granadas contra nós. Agora esses militares vão embora. Melhor assim.”

A ofensiva das autodefesas é percebida em muitos lugares, como em Pareo, como uma verdadeira libertação. A população, esmagada durante anos pelo crime organizado, vê nessa polícia cidadã uma revanche por muito tempo inesperada e uma possibilidade de voltar a ter uma vida normal.

Na praça central de Pareo, depois do levante armado, José Manuel Mireles descansa depois do discurso para a comunidade. Segundo ele, está em marcha uma verdadeira batalha. “O cerne da guerra, o objetivo de todos esses municípios armados, é acabar com o crime organizado, onde quer que se encontre e em qualquer de seus níveis e em qualquer de suas modalidades. Porque ele existe em nível municipal, estatal e federal. E modalidades há muitas, desde os batedores de carteira até os bandidões de colarinho branco que estão no governo do Estado ou nas grandes empresas falsas que existem no Estado de Michoacán.”

“Nós respeitamos todas as instituições legalmente constituídas na República, nada além disso, no nosso Estado”, esclarece o doutor com força, para explicar que os comunitários não são paramilitares. “Nossa guerra é única e exclusivamente contra o crime organizado. Mas sabemos que todas as instituições e secretarias do Estado estão contaminadas pelo crime organizado. E, se em algumas delas o crime é mais forte que as próprias instituições, também queremos acabar com elas.”

Nas ruas de Pareo barricadas começam a ser montadas, as pessoas se animam e aparece um jovem acusado de ser falcão. Na praça, é decidido o que vai acontecer com ele. Há os que querem matá-lo, entregá-lo ao “governo”, prendê-lo para informações. A namorada dele o defende, tentando explicar que se trata de um erro; um mal-entendido.  Que ele não é nenhum falcão.

Mireles já não participa dessa ação, que deve ser resolvida pela gente de Pareo com autonomia. “Nós estamos fazendo o que as instituições governamentais não fizeram durante mais de 12 anos. Se as instituições estivessem fazendo seu dever, nós não teríamos razão de existir. Eu sou médico, os outros são agricultores, camponeses, plantadores de abacate, comerciantes. O que estamos fazendo é temporário”, explica.

“Enquanto esperamos que o governo federal, o Exército e o próprio Estado de Michoacán comecem a trabalhar para fazer o que obriga a Constituição, ou seja, fornecer segurança a toda a nação. Isso é o que nós estamos fazendo. Nós somente nos armamos para tentar restabelecer o estado de direito em Michoacán. Se o Estado não reagir e começar a apoiar o nosso movimento social com programas sociais, com mudanças institucionais, vamos ter de aceitar o desaparecimento dos poderes do Estado de Michoacán, para que o Senado da República em seu momento ponha governantes interinos, deputados interinos, presidentes interinos, até que seja feita uma nova eleição para mudar todo o aparato governamental do Estado de Michoacán e seja restabelecido o Estado de direito.”

O tempo acaba, é necessário desalojar as centenas de policiais comunitários e deixar prontas as barricadas antes que a luz se vá. Já não se escutam helicópteros voando. Mireles está orgulhoso e reafirma o valor do que está fazendo. “Se nós, que somos apenas civis, tomamos a decisão de nos armar para defender nossas vidas e nossas propriedades, já comprovamos que, em mais de oito meses, sem nenhuma organização, sem nenhuma estrutura paramilitar, temos um sucesso tão grande que já não há roubos, não há assassinatos, não há sequestros, não há estupros em nosso territórios”.

Para se despedir, confirma: “Esta é uma guerra. Declarada, aberta e pública contra o crime organizado, como quer que se chame, seja o Cartel dos Zetas, dos Templários, da Família, o cartel que seja. Nós não estamos formados para defender nenhum cartel, muito menos para formar um cartel. Estamos formados para combater essa guerra.”