Prefeito de Campo Grande é suspeito de dar golpe dos cheques em branco em eleitores
Gilmar Olarte é o principal suspeito de dar golpes pegando cheques emprestados de eleitores em troca de falsas promessas.
Você daria um cheque em branco para alguém? E se essa pessoa fosse uma autoridade aparentemente respeitada? O Fantástico vai contar a história de pessoas que fizeram exatamente isso. Acreditaram nas promessas de um político e receberam em troca apenas dívidas e ameaças. A reportagem é de Maurício Ferraz e Rodrigo Vaz.
“A minha vida mudou tragicamente. E virou o caos”, diz um homem que não quis se identificar.
Fantástico: Qual foi seu prejuízo financeiro?
Mulher: Cerca de R$ 110 mil.
Estas pessoas caíram em um golpe. Emprestaram folhas de cheque para um homem que parecia acima de qualquer suspeita.
Fantástico: Quantas folhas de cheque em branco o senhor emprestou?
Homem: Dez folhas.
Mulher: Vinte e cinco folhas.
O principal suspeito de aplicar esse golpe, segundo o Ministério Público, é o atual prefeito de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul e o valor pode chegar a R$ 1 milhão. De acordo com as investigações, tudo começou durante a campanha eleitoral municipal de 2012. Na época, Gilmar Olarte, do PP, Partido Progressista, era candidato a vice-prefeito.
“Ele pegava folhas de cheque em branco. Essas folhas de cheque normalmente eram trocadas junto a agiotas, mediante pagamento de juros. E aos titulares desses cheques, ele prometia que eles iriam ser beneficiados com cargos públicos e contratos com a administração”, explica Marcos Alex Vera de Oliveira, promotor de Justiça.
Quem pedia esses cheques era Ronan Feitosa de Lima, segundo o Ministério Público, um ex-assessor de Gilmar Olarte. Os dois são pastores da Igreja Evangélica Assembleia de Deus Nova Aliança.
Fantástico: Quem que procurou você e pediu os cheques?
Mulher: Foi o Ronan. Era para trocar porque o chefe precisava de dinheiro para viajar. Fazer as viagens para o interior, os contatos.
O chefe, segundo a vítima era Gilmar Olarte.
“Eu emprestei na confiança. Eu pensei que ele tinha uma boa índole”, lamenta o homem que não quis se identificar.
Em março do ano passado, o então prefeito, Alcides Bernal, também do PP, foi cassado pelos vereadores. Olarte assumiu a prefeitura, e, segundo a investigação, ainda não havia pago as dívidas feitas com agiotas, que começaram a cobrança.
Fantástico: Esses cheques foram parar na sua mão.
Salem Pereira Vieira: Alguns vieram. Outros foram pras mãos de outros.
O homem diz que não quer mostrar o rosto para proteger a família. Ele é um dos agiotas que trocava cheques de eleitores de Gilmar Olarte por dinheiro, segundo a denúncia. Apesar de não querer aparecer, ele autorizou que seu nome seja revelado: Salem Pereira Vieira - ele é investigado pelo crime de agiotagem.
Fantástico: E quando você começou a descontar esses cheques?
Salem Pereira: Começou a voltar.
Quem emprestou os cheques, ficou com a conta bancária zerada e passou a sofrer ameaças dos agiotas.
“Por telefone, iam no portão da minha casa. ‘Vou pegar, vou quebrar a cara’”, conta a mulher.
“Perdi o meu limite do banco, perdi meu crédito. Minha irmã chegou a falecer em Goiânia e não tinha nem o dinheiro para pegar uma passagem de ônibus para ir no velório”, diz um homem.
Em seguida, os agiotas passam a cobrar diretamente o prefeito.
“Eu comecei a ver que era um golpe, que todos ali foram iludidos. O prefeito falou comigo no telefone pessoalmente que ele ia resolver, 'vou sanar o problema'” diz Salem Pereira Vieira.
Uma ligação foi gravada pelo Ministério Público.
Salem Pereira: Eu estou querendo saber daquela situação nossa.
Gilmar Olarte: Eu vou delegar uma pessoa para organizar e começarmos a acertar.
A investigação tem mais de oito mil gravações telefônicas autorizadas pela Justiça. Segundo os promotores são conversas que reforçam a participação do prefeito em um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro.
Em outro telefonema, o irmão de Ronan, o ex-assessor, deixa claro que a dívida é do prefeito.
Irmão de Ronan: A intriga dele não é mais com o meu irmão. É com a pessoa do pastor.
Gilmar Olarte: Eu estou blindado pelo sangue de Jesus. Eu tenho um exército ao meu favor, tanto no estado, como aqui no município, como na guarda, como particular, como da Federal, como de tudo que é lugar.
Salem, o agiota, também gravou uma conversa. Sem saber que estava sendo filmado, o assessor Ronan pede dinheiro em troca dos cheques que emprestou dos moradores de Campo Grande.
Ronan Feitosa: Você não consegue trocar um cheque para novembro para mim não?
Salem Pereira: De quanto?
Ronan Feitosa: Cinco (mil reais). Cheque bom.
Salem Pereira: É seu cheque não?
Ronan Feitosa: Não, não. É de um cara que passou pra mim.
Salem Pereira: Estou com R$ 80 mil de cheque, cara.
Desconfiado de que o agiota teria outros vídeos, um advogado ligado ao prefeito passa uma orientação a um secretário de Olarte: "É porrada. Não tem conversa. Persegue o pai, a mãe, o irmão. Se tiver que bater, bate", ele diz.
Fantástico: Por quais crimes o prefeito e o ex-assessor dele foram denunciados?
Marcos Alex Vera de Oliveiram promotor de Justiça: Pelos crimes de corrupção passiva, que é solicitar vantagem em razão do cargo, e por lavagem de capitais, que é por dissimular o produto ou proveito desse crime.
O prefeito Gilmar Olarte falou ao Fantástico. Ele afirma que o assessor Ronan agiu sozinho.
Fantástico: Segundo o Ministério Público, alguns moradores emprestaram folhas de cheque em branco, essas folhas de cheques teriam chegado na mão do senhor através de um ex-assessor do senhor, o senhor Ronan. Isso aconteceu?
Gilmar Olarte, prefeito de Campo Grande: Não, não aconteceu. Nós temos muita tranquilidade em relação a esse assunto. Infelizmente o moço, ele se enrolou com cheques trocados em agiotas e aí depois deu problema.
Fantástico: Ele era assessor do senhor?
Gilmar Olarte: Ele era assessor da prefeitura. Quando eu assumi, ele foi exonerado.
Ronan Feitosa não quis gravar entrevista. Falamos com seu advogado, que manteve a versão do prefeito.
Fantástico: O cliente do senhor está protegendo o atual prefeito?
Hugo Melo Farias, advogado de Ronan Feitosa: Não.
Salem Pereira, que confirma ao Ministério Público que entregou o dinheiro em troca dos cheques, no entanto, dá outra versão:
Fantástico: Você entregou dinheiro para o prefeito?
Salem Pereira: Entreguei. Entreguei na mão do pastor Ronan, que era funcionário dele, subordinado dele e entregou na mão dele.
Fantástico: Você viu o prefeito?
Salem Pereira: Vi. Foi entregue na mão dele. Pegou das minhas mãos e entregou na mão do prefeito.
Fantástico: Um agiota disse que entregou dinheiro para o Ronan junto com o Olarte.
Hugo Melo Farias: Esse dinheiro se tratava de uma doação pra igreja.
Salem Pereira: De hipótese alguma. Eu não sou evangélico, não tenho nenhuma afinidade com a igreja dele e não sou Papai Noel para doar nada pra ele.
Fantástico: O dinheiro não era pro pastor Ronan?
Salem Pereira: Não, nunca. O pastor Ronan é um coitado. É um mendigo hoje. Não tem nada. Sempre foi em prol do pastor Gilmar Olarte, sempre foi entregue na mão dele. Sempre, sempre, sempre.
Fantástico: Quando que ele te deve?
Salem Pereira: R$ 246 mil.
Fantástico: O que você tinha que ele queria?
Salem Pereira: Dinheiro. Ele queria dinheiro.
Fantástico: O que ele tinha que você queria?
Salem Pereira: Benefícios. Ele conseguiria agilizar para mim umas licitações em obras.
Fantástico: E você acha que estava agindo corretamente também?
Salem Pereira: Não, corretamente não. Quem é que é correto nesse Brasil? Se a corrupção começa lá em cima?
Fantástico: Segundo o Ministério Público, em troca desse dinheiro, o senhor teria oferecido cargos e algumas vantagens para essas pessoas.
Gilmar Olarte: Não existe nenhum tipo de ação nesse sentido.
“Durante a investigação se percebe claramente que o prefeito se compromete a pagar esses valores a esses credores. E que isso não é uma postura de uma pessoa que não se beneficiou de recursos”, explica o promotor de Justiça.
“Não, eu não disse que ia pagar dívida. Eu disse que ‘tenha calma, vamos vê se dá para resolver’ por causa das ameaças de morte que a gente sabia para o ex-assessor”, diz o prefeito Gilmar Olarte.
Fantástico: O que que o senhor acha de tudo isso?
Homem: Eu não sei. Eu ainda espero a Deus que ele não fez isso com maldade. Eu não quero dinheiro. Só ter meu nome limpo.
Mulher: Eu não quero o que não é meu, eu quero só o que é meu. Quero que ele pague as contas que ele fez e só. Quero justiça.