"Os traços asiáticos são as primeiras coisas das quais elas querem se livrar", diz fotógrafa coreana
Qual o limite entre a vaidade e a obsessão pelos estereótipos criados em cima dos traços físicos perfeitos?
Ji Yeo criou uma série de fotos com mulheres que acabaram de passar por cirurgias plásticas. Com cliques chocantes, a fotógrafa chama a atenção para a obsessão das coreanas quanto aos padrões de beleza ocidental. Em entrevista , ela fala sobre o projeto e o polêmico cenário das intervenções cirúrgicas na Coreia do Sul
Até que ponto vai a busca pelos padrões de beleza? Qual o limite entre a vaidade e a obsessão pelos estereótipos criados em cima dos traços físicos perfeitos? É com esses questionamentos que a fotógrafa coreana Ji Yeo fez uma série denominada “The Beauty Recovery Room” (“O Quarto de Recuperação da Beleza”, em tradução livre). Ji atualmente reside em Providence, Estados Unidos, e cursa mestrado em Fotografia na Rhode Island School of Design.
O destaque fica por conta da preocupação das coreanas em se parecerem fisicamente com as ocidentais. Ao mesmo tempo, a fotógrafa expõe o lado mais moderno da mulher, que desafia os paradigmas de beleza impostos pela cultura local e não se intimida com a vontade de ficar parecida com mulheres de outros lugares.
Independente do país em que estejam, elas estão dispostas a gastar milhares de dólares e suportar procedimentos clínicos agressivos para atingir o padrão de beleza desejado. Mais do que pele e osso, as mulheres estão dispostas a se sacrificarem em busca das medidas de perfeição”, diz Ji Yeo . A seguir, confira o bate-papo com a fotógrafa:
Qual o seu objetivo ao criar a série “The Beauty Recovery Room”?
Ji Yeo: Conhecer e fotografar essas mulheres tornou-se uma maneira de me dirigir aos meus próprios dilemas sobre beleza e busca da autoestima. As imagens confrontam o espectador com uma mistura de julgamento e empatia. De certa forma, acredito que o que cliquei não deveria ser levado tão à risca, pois é o resultado de um estereótipo manipulado que deveria desaparecer. Mas não vai. Nosso desejo de ser aceitos e valorizados fisicamente, junto com nossa insegurança, são demasiados potentes e muito bem alimentados para que algo mude agora. Sendo assim, minhas fotografias são simplesmente registros sociais e sociológicos de uma transformação generalizada. Estamos dispostos a seguir um ritmo para atingir o ideal de beleza. Essas pessoas são a afirmação disso e ao mesmo tempo um questionamento, argumento e desafio.
Você conseguiu clicá-las após se oferecer para ajudar na recuperação. Como funcionou esse processo?
JY: O maior desafio de todos os meus projetos foi encontrar mulheres dispostas a revelar o que está por trás da aparência, que é algo que foi concebido para ser mantido em segredo. A maioria das mulheres que passam por cirurgia plástica não quer que outros saibam. Revelar é admitir uma imperfeição. Elas querem parecer naturalmente perfeitas, ao invés de artificialmente reforçadas. A ideia de gravar o momento mais cruel da recuperação, mostrando manchas de sangue, ataduras, hematomas, marcas de orientação cirúrgica e corpo inchado, não é parte da fantasia de transformação. É nesse momento que elas se escondem dos outros, hospedando-se em um hotel perto das clínicas até se recuperarem. As mulheres que posaram para mim não fizeram isso por causa da exposição, mas pelos serviços que ofereci em troca. Elas passam por esses procedimentos sem apoios de familiares. Ofereci-me para ser guia, acompanhante e confidente. Esperei que saíssem das cirurgias, dei-lhes carona até o hotel ou casa, comprei medicamentos, cozinhei e atendi às suas necessidades.
Após passarem pelas cirurgias, as mulheres que posaram para você pareciam sentir prazer ao serem clicadas?
JY: Durante minha estadia com elas, fiquei chocada como não tinham medo da anestesia e muito menos do resultado. A cirurgia para elas é algo casual, que lhes proporciona prazer e satisfação. Durante as sessões de foto, mesmo quando estavam com dores extremas, pude sentir a excitação e emoção de terem as expectativas realizadas. Elas não parecem ter o medo que eu tenho quanto a isso. Na verdade, já fazem uma cirurgia pensando na próxima.
A que tipos de cirurgias elas se submetem?
JY: A lista é longa, mas posso citar implantes de silicone nas mamas, duplicação de pálpebras, rinoplastia tripla, lipoaspiração do corpo inteiro, redução e implante do queixo até injetar gordura da própria coxa no rosto.
O aumento pela busca de cirurgia plástica é resultado de problemas com a autoestima das coreanas?
JY: A Coreia do Sul tem ênfase na aparência, especialmente das mulheres. Os homens até são sensíveis e delicados quanto às suas roupas, pele e corpo, se comparados aos de outros países. No entanto, pelo fato da cultura coreana ser muito conservadora, a sociedade é menos tolerante com aparência quando se trata das mulheres. Elas são facilmente ignoradas ou humilhadas por não serem bonitas ou magras o suficiente. Muitas nem percebem que têm problemas de autoestima. A maioria se sente obrigada a transformar-se fisicamente para entrar no padrão ideal.
Por que as coreanas se inspiram tanto nas caucasianas na hora de fazer cirurgia?
JY: Desde que me mudei para os Estados Unidos fiquei impressionada com a diferença entre as coreanas que cliquei e as ocidentais, no que diz respeito à cirurgia. As americanas muitas vezes estão focadas em alterar o corpo (com o implante de silicone sendo o procedimento mais popular). Na Coreia, elas focam mais nos ajustes faciais, como aumentar os olhos, diminuir as maçãs do rosto e mandíbula e afinar o nariz. Em Los Angeles, por exemplo, a sensualidade é um destaque. Na Coreia, as noções de feminilidade são mínimas, pois os traços inocentes são considerados características de elegância. A maioria das cirurgias realizadas por lá tem o objetivo de diminuir os traços asiáticos e fazer com que elas pareçam mais com as ocidentais. Essa diferença é uma luz que serve de resposta para uma mídia patriarcal que perpetua estereótipos distintos do que a mulher deve ser. É esta distinção que me fascina e me faz trabalhar. Independente do país em que estejam, elas gastam milhares de dólares e suportam procedimentos clínicos agressivos para atingir o padrão de beleza desejado por elas. Mais do que pele e osso, as mulheres estão dispostas a se sacrificarem em busca das medidas de perfeição.
Quem é a “musa de beleza” na qual elas se inspiram e com a qual querem ficar parecidas?
JY: Interessante que, apesar de tudo, elas não se espelham em celebridades ocidentais e ficam divididas. Umas se inspiram em atrizes coreanas que nunca fizeram nenhuma cirurgia. Outras admiram celebridades chinesas que fazem mudanças extremas e constantes.
As coreanas não têm medo de perder as características asiáticas após os procedimentos cirúrgicos?
JY: De modo algum. Os traços coreanos e asiáticos são as primeiras coisas das quais elas querem se livrar.
Já fez alguma cirurgia plástica?
JY: Nunca fiz nenhuma, quem sabe no futuro. Por enquanto, combato o desejo de ser mais bonita e a crença básica de que, se fosse, minha vida seria melhor. Mesmo agora, após anos de estudo e de diferenciar imagens que mostram a realidade das artificiais que manipulam uma felicidade impossível, ainda luto com um desejo próprio de atingir a perfeição e de que, se alguém descobrir uma fórmula eficaz, possa ceder-me.
Você acha que a mídia cria um padrão de beleza perigoso que faz com que as mulheres estejam sempre insatisfeitas?
JY: Totalmente. A imagem cultural feminina mudou e evoluiu muito nos últimos 50 anos. A partir da "dona de casa perfeita" para a "sexualmente liberada na flor da idade". Da mulher independente na carreira para as esportistas do futebol e lutadoras ao estilo Lara Croft. Mas, no final de tudo, o objetivo da mídia é o mesmo: convencer as mulheres que elas precisam de uma intervenção para alcançar a perfeição. E assim, ao invés de sermos usadas para vender o produto, nos tornamos o próprio produto. Sabemos o que esperam de nós, como devemos nos comportar, nos vestir, o que desejar. Ser bonita para a sociedade é estar em evidência, ser famosa, bem-sucedida e poderosa. A mídia faz com que nos tornemos objetos a serem vendidos e isso vai continuar para sempre, não vai parar.