O "celular do ladrão" e o medo internalizado

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O "celular do ladrão" geralmente é bem mais simples, com menos funções, tecnologia já há muito tempo superada (Líbia Florentino/LeiaJáImagens)

No último dia 26 de março, Alice dos Santos, de 21 anos, foi abordada por dois homens na Praça do Derby, na área central do Recife. Eles pediram seu celular. De pronto, ela entregou. “Por sorte não pediram a bolsa”, lembra. Mesmo tendo sido roubada, a auxiliar administrativa tinha motivos para comemorar, pois escondido na bolsa estava o seu celular principal, muito mais avançado. Ao ladrão, ficou o aparelho que nem a marca direito Alice lembra, era velho, mal funcionava, “ferrado”, como a própria definiu.  Enfim, ao ladrão ficou o "celular do ladrão".

Pelo menos é assim que as pessoas estão intitulando o seu segundo aparelho telefônico. O "celular do ladrão" geralmente é bem mais simples, com menos funções, tecnologia já há muito tempo superada. Costuma ser aquele celular esquecido da família ou o anterior que ficou velho demais ou mesmo aquele que talvez o pai não fosse usar tanto e é melhor ficar sem algum do que deixar o filho sair com um só.

Para Alice dos Santos a origem é até outra: o "celular do ladrão" é comprado para ser o celular do ladrão. Também, pudera, a jovem contabiliza de 2014 para cá o roubo de sete a oito celulares. “Eu já estou traumatizada. Estou querendo providenciar outro logo. O que ficou está no silencioso, nem vibra”, ressalta.

Uma situação de perigo também motivou o estudante Janderson Chaves, de 20 anos, a adquirir o telefone reserva. “Eu já pensava nisso porque muitos amigos tinham dois aparelhos”, diz. Janderson sofreu uma tentativa de assalto. Ele conseguiu ficar com o pertence, mas decidiu que precisava do celular do ladrão imediatamente. “Agora se for ter risco de roubo eu dou o mais pobrezinho”.

O celular do ladrão não precisa ficar inutilizável. Mas para o estudante Fernando Silva, de 25 anos, há uma questão de prioridades. “Eu ando com dois aparelhos primeiro por questão de segurança, porque qualquer coisa já passo o mais ‘pebinha’. Em segundo, tem a questão de que esses novos travam bastante, aí numa emergência os antigos funcionam melhor”, explica.

Para a socióloga Ana Paula Portella, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança (NEPS), o ato das pessoas andarem com o objeto “do ladrão” revela um reconhecimento do ambiente inseguro em que se vive. “Isto é um indicativo de que vivemos numa sociedade em que a violência faz parte do cotidiano. É um ato bastante racional, porque quando você sente que corre o risco de sofrer algum tipo de violência você cria meios de defesa”, comenta Ana Paula. Além do celular do ladrão, há registros de pessoas que andam com duas bolsas no carro e outras que separam uma quantia em dinheiro no bolso para dar ao bandido caso haja necessidade.

O "celular do ladrão" de Fernando Silva é tão ultrapassado que, no mês de abril, durante um assalto, o bandido se recusou a ficar com o aparelho. “Enquanto o que eu uso estava escondido dentro da cueca”, recorda o estudante. 

A Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) não recomenda o uso do "celular do ladrão", devido ao risco de agravar um possível episódio de violência durante um assalto. A corporação recomenda que a população evite a exposição de equipamentos de valor e jamais reaja a investidas de criminosos.

Segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), de janeiro até maio de 2015 foram registrados 5.786 casos de celulares roubados, um aumento de aproximadamente 27% em relação ao ano passado, quando foram registradas 4.571 ocorrências no mesmo período, e 11.884 em todo o ano.

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