Comarca de Três Lagoas atinge 100% de sucesso em adoções tardias
“Não existe criança difícil, nem perfeita, porque não existe família perfeita”. Essa é a fala de uma mãe que adotou duas irmãs que estavam em uma unidade de acolhimento em Três Lagoas. Além de serem irmãs, elas foram adotadas com mais que três anos de idade e, por isso, estão na condição de adoção tardia.
Recentemente, a comarca de Três Lagoas, localizada na região leste de Mato Grosso do Sul, conseguir obter sucesso em 100% nos processos judiciais de adoções de crianças e adolescentes mais velhas, algo difícil de se atingir no Brasil.
Por mais estranho que possa parecer, hoje no país existem mais pessoas inscritas no Cadastro Nacional da Adoção (CNA) – mecanismo que agrega todos os pretendentes aptos a ingressar com processo judicial de adoção – do que crianças e adolescentes disponíveis para ter uma família. Isso porque elas não são o ideal de imagem, etnia, saúde e até comportamento, esperado por mães e pais por adoção. Como resultado, ainda existem adolescentes que atingem a maioridade dentro dos chamados abrigos.
Mas por que a comarca de Três Lagoas está conseguindo dar efetividade ao procedimento de adoção tardia, que muitas vezes fracassa, por diversos motivos, e faz com que a criança e o adolescente voltem para o abrigo? A resposta é o empenho e a busca incessante para demonstrar para os pretendentes que adotar crianças e adolescentes com mais de três anos também é gratificante.
Segundo a assistente social do Fórum da comarca de Três Lagoas, Elisangela Facirolli do Nascimento, ainda há alguns adolescentes e crianças maiores de três anos em acolhimento na cidade. Contudo, todos os processos abertos para adoções tardias têm sucesso e a criança continua na família, sem as devoluções que, infelizmente, muitas vezes acontecem.
De acordo com Elisangela, a equipe multidisciplinar do Fórum realiza um trabalho diferenciado, com o apoio irrestrito do juiz diretor do Foro, Rodrigo Pedrini Marcos, e do Poder Judiciário de MS, que incentiva todas as ações, inclusive custeando o deslocamento a outros municípios e estados da federação na busca de pais para adotarem as crianças da cidade.
“Após esgotarmos as buscas no CNA para encontrarmos pretendentes para as adoções tardias, fazemos buscas ativas junto aos grupos de apoio à adoção do país. Então, os pretendentes entram em contato conosco e iniciamos o estágio de aproximação gradativamente. Esclarecemos que eles podem mudar a idade da criança/adolescente”, explica ela.
Segundo dados do Sistema de Automação da Justiça (SAJ), no período de 2015 a agosto de 2018, foram realizadas na comarca de Três Lagoas 67 adoções. Deste total, 39 foram adoções tardias de crianças a partir de quatro até 17 anos. Neste montante também estão inclusos grupos de irmãos, com experiências realizada pela equipe de Três Lagoas, de inserção de até quatro irmãos em uma família.
Este foi o caso de Rosângela Aparecida Cardoso, 36 anos, mãe de duas irmãs de 14 e 7 anos que estavam em unidades de acolhimento em Três Lagoas. Hoje elas moram e Birigui (SP), onde vivem também com o pai Antoni Cardolo Junior, 49 anos.
Rosângela foi quem disse a frase que começa essa matéria e, pelo tom das palavras, percebe-se que ela tem uma visão realista do que é uma família – pessoas que estão unidas pelo sentimento de amor e fraternidade, independente das virtudes e problemas que cada indivíduo tenha.
Ela conta que tudo começou na infância, quando pedia aos pais que fizessem uma adoção. A resposta, segundo Rosângela, não se resumia a um não. “Eles diziam que quando eu tivesse a minha casa poderia realizar o meu sonho de adotar”, explica.
Este foi o início de tudo. A negativa dos pais aumentou a vontade de Rosângela de ter suas filhas por adoção e, quando conheceu o marido, teve certeza que deveria fazer isso.
No começo o casal idealizava a criança a ser adotada e o único requisito era que tivesse até três anos. A época, o entendimento sobre a adoção era muito pequeno, porém, com o passar do tempo e as dificuldades de encontrar aquele ideal de filho, Rosângela mudou o pensamento.
Ela conta que o casal ficou seis meses na fila do CNA com o perfil de criança até três anos. Mudaram para crianças até 12 anos, quando conheceram a Busca Ativa (procura por adotantes, prévia e regularmente habilitados no CNA, para crianças e adolescentes denominados de “difícil colocação”). Eles moram em Birigui, cidade paulista bem próxima de Três Lagoas, local onde moravam as duas filhas.
A troca de perfil e o amadurecimento foram processos necessários para entender que uma adoção não é apenas uma realização da vontade dos pais – vai muito além. “A gente sempre idealizou que as crianças desejavam ter uma família e que elas nos adotassem”, contou Rosângela.
A experiência é única e as dificuldades também. O preconceito da origem e a ideia errônea de que crianças em acolhimentos, principalmente as que não são bebês, são cheias de traumas e comportamentos inadequados não foram impedimento para a adoção.
“É preciso ter certeza e ter mente aberta. Ler muito, preparar, conversar muito com o esposo, participar de grupos de adoção. Os comportamentos inadequados fazem parte porque até filhos biológicos têm atitudes negativas. Não acredito que só um filho adotivo apresentará problemas ou comportamento que não agrade os pais, os filhos biológicos também podem agir assim”, conta.
Contra o preconceito, Rosângela deixa um recado: “Elas tiveram uma vida toda fragmentada em sua família de origem. Agora, nós, famílias do coração, com todo o carinho e amor, temos que recuperar esse momento perdido. Não existe criança difícil nem perfeita porque não existe família perfeita”, conclui.