UFGD e consulado norte-americano identificam possibilidades de parcerias
A Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) recebeu, na última semana, a visita do diretor da Seção de Educação, Cultura e Imprensa do Consulado dos Estados Unidos (EUA) em São Paulo, cônsul Jason Green, e da assessora para Assuntos de Engajamento Público, Joyce Costa.
A vinda teve como objetivos conhecer a atuação da universidade, as perspectivas de internacionalização, os projetos ambientais, a atuação junto às comunidades locais e, em especial, a Faculdade Intercultural Indígena (FAIND).
Por meio da UFGD, os representantes do consulado buscaram entender o contexto e as perspectivas das populações indígenas na região, pois estão empenhados em desenvolver ações voltadas à participação de grupos sub-representados em agendas estratégicas para a presidência dos EUA. “Democracia, economia, meio ambiente e segurança, como todas as prioridades da administração do presidente Joe Biden, precisam incluir a diversidade, a equidade, a acessibilidade e o meio ambiente, por isso, queremos aprender mais sobre comunidades indígenas e sua relação com o meio ambiente. Também queremos ideias para desenvolver parcerias com a universidade”, disse o cônsul Jason Green.
Nessa linha, o reitor Jones Dari Goettert apresentou as principais características da UFGD em reunião com gestores de todas as pró-reitorias e do Escritório de Assuntos Internacionais (ESAI), promoveu uma reunião na FAIND para os professores e os estudantes falarem sobre os desafios que enfrentam no cotidiano das aldeias indígenas e, também, levou o cônsul e a assessora para conhecerem a casa de reza da Aldeia Jaguapiru, onde foram recebidos pela família de Floriza Souza e Jorge Silva, que são lideranças tradicionais dos Kaiowá.
De acordo com o reitor, em síntese, a diversidade, o território e a interculturalidade são elementos que atravessam todas as dimensões da UFGD – a dimensão de produção e de trabalho (formação de bacharéis), a dimensão de saúde e a dimensão de educação (formação de professores) – o que é um desafio e ao mesmo tempo um ganho para a UFGD, por ter concepções e práticas diferentes sempre em debate.
INTERNACIONALIZAÇÃO
A partir dessas reuniões iniciais, várias possibilidades de parcerias entre a UFGD e o Consulado dos Estados Unidos em São Paulo serão articuladas nos próximos meses.
Quanto à atuação nas temáticas de preservação ambiental e dos povos indígenas, a universidade está desenvolvendo 25 ações de extensão e 16 projetos de pesquisa que podem estar alinhados com os interesses estratégicos do órgão diplomático.
No entanto, vale ressaltar que todos os projetos de extensão que buscam receber recursos da UFGD (projetos com ônus) só são aprovados se estiverem relacionados a algum Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), definido pela Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Então, o número de projetos que envolvem sustentabilidade é ainda maior.
Outra oportunidade de colaboração é o estabelecimento de acordos de cooperação entre a UFGD e as universidades norte-americanas, tendo o consulado como facilitador. Os acordos de cooperação possibilitam a mobilidade de servidores e de estudantes de graduação e de pós-graduação e a realização de projetos conjuntos.
Atualmente, as relações com as universidades estrangeiras se dão, na maioria das vezes, por esforços individuais, mas o Escritório de Assuntos Internacionais (ESAI) da UFGD deseja mudar isso e firmar projetos institucionais de longa duração. Ao concorrer com instituições do mundo todo, a UFGD pode ser vista como uma universidade jovem, por ter sido criada em 2005, e pequena, por ter aproximadamente oito mil estudantes, professores e técnicos administrativos, mas com o consulado realizando a mediação, a perspectiva é de que a instituição possa apresentar com maior visibilidade seus pontos fortes e, com isso, identificar parcerias que conformarão iniciativas mais perenes e de médio e de longo prazo.
Mais uma parceria que pode ser estabelecida se configura na área de ensino de língua inglesa. Em Dourados, a UFGD tem atuação de destaque com os cursos de idiomas ministrados para aproximadamente 200 crianças e adultos pelo Centro de Formação da Pró-reitoria de Extensão e Cultura (PROEX). A taxa semestral é acessível e há vagas destinadas para estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Com apoio do consulado, a ampliação do ensino da língua inglesa poderia ser feita em três frentes: formação e aperfeiçoamento de professores, escrita acadêmica, de modo a colaborar para a visibilidade das pesquisas realizadas na UFGD, e programas voltados à comunidade indígena, utilizando o inglês como instrumento para incrementar a exposição internacional das questões locais.
Para documentar o início das tratativas com o consulado, ao final da primeira reunião, o reitor entregou um documento no qual expressa a intenção de constituição de relações construtivas e cooperativas com a entidade, a partir da identificação de sinergias institucionais, especialmente aquelas relativas às comunidades indígenas. O documento ainda detalha a atuação da FAIND e a vocação da UFGD como espaço atravessado pela presença (física, social, territorial e simbólica) das comunidades indígenas da região. Por fim, apresenta os números acerca de projetos de ensino, pesquisa e extensão relativos às temáticas indígenas, com destaque para o nexo com o combate às mudanças climáticas e a promoção da justiça ambiental.
FAIND
Com objetivo de entender o contexto e as demandas mais urgentes das comunidades indígenas, a segunda reunião foi realizada na FAIND com professores e estudantes do Mestrado em Educação e Territorialidade e dos dois cursos de graduação: Licenciatura Intercultural Indígena "Teko Arandu” e Licenciatura em Educação do Campo (LEDUC).
Com aproximadamente 400 estudantes, a maioria das etnias Guarani e Kaiowá, mas também com alunos dos grupos étnicos Terena, Kadiwéu, Ofaiê e Guató, a FAIND tem abrangência estadual e desenvolve a metodologia da alternância – atividades de ensino na universidade e nas aldeias e nas escolas indígenas –, o que resulta numa rede de relações e coloca a faculdade em uma posição estratégica para ações que busquem envolver várias comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul.
Os depoimentos sobre racismo, intolerância religiosa, contaminação por agrotóxicos, degradação ambiental, arrendamento ilegal, necessidade de demarcação das terras indígenas e conflitos nas áreas de retomada colaboraram para que os representantes do consulado pudessem compreender os problemas vividos pelos povos originários e analisar em que medida as ações planejadas podem se adequar à realidade e às necessidades regionais.
As questões ambientais estão relacionadas às questões sociais e as situações de violência são frequentes. Inclusive, contou a estudante Sandra Rossati Medina, quando denunciam arrendamentos ou agrotóxicos, por exemplo, os indígenas sofrem ameaças e a percepção é de que os órgãos públicos acionados não conseguem resolver os problemas. Então vem a pergunta: a quem recorrer?
Para a estudante Aline de Souza da Silva, a demora da burocracia vai agravando os conflitos, como acontece nas mortes sofridas nas áreas de retomada e na falta de conclusão dos processos de demarcação de terras em MS.
Sobre o território indígena, o reitor Jones Dari chamou a atenção para a importância da luta contra o marco temporal. “Se o julgamento sobre o processo do marco temporal voltar a entrar na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), essa votação pode ser uma das mais graves violências cometidas contra os povos indígenas”, alertou o dirigente.
No entanto, segundo o docente, mostrar essas diversas dificuldades não teve como intenção causar tristeza no cônsul, mas, sim, trazer esperança ao valorizar a resistência e a luta dos povos indígenas.
Após os depoimentos dos estudantes, entre as sugestões de ações levantadas, a presidente do Núcleo de Assuntos Indígenas (NAIN), professora Jeanne Maciel, propôs a realização de um curso de formação de jovens lideranças para que elas sejam ouvidas nos organismos nacionais e internacionais sem necessidade de intermediação.
CASA DE REZA
Com aproximadamente 18 mil pessoas, a Reserva Indígena de Dourados possui apenas duas casas de reza, que são espaços de resistência cultural e alvos de intolerância religiosa. Já que os representantes do consulado tinham planejado conhecer as comunidades, o reitor Jones Dari os levou para a Aldeia Jaguapiru, à casa de reza da família de Floriza Souza e Jorge Silva, que são lideranças tradicionais (políticas e religiosas).
Além de conversarem, por serem rezadores (ñandesy e ñanderu), o encontro contou com os cantos rituais de recepção e de encerramento da reunião, uma visita à sala de aula onde dona Floriza ensina as tradições para as crianças e os adolescentes e depois à banca de artesanato.
Entre os assuntos discutidos foram citados os problemas enfrentados para produzir alimentos para subsistência, a diminuição do volume de água do córrego nas proximidades e a falta de peixes e de mata. Questões relacionadas ao processo de formação da Reserva Indígena de Dourados e às dificuldades foram comentadas também na reunião na FAIND.
Jorge Silva contou a trajetória de sua família sendo expulsa das terras originais e levada à força para a Reserva, inclusive com o seu pai sofrendo um atentado por insistir em ficar onde morava.
Em outro momento da conversa, dona Floriza falou sobre a importância de o patrimônio cultural ser transmitido aos jovens. Atualmente, o compartilhamento desses saberes é feito nas proximidades da casa de reza onde ela é professora de artesanato e de língua materna. Crianças, jovens, mães e pais se reúnem no local aos sábados, mas, no momento, as atividades estão carentes de materiais, já que é somente a venda dos artesanatos que mantém financeiramente a sala de aula.
Para o diretor da FAIND, Eliel Benites, um dos muitos benefícios em se vivenciar a cosmologia indígena é o de cultivar valores e a busca por ser perfeito, como é a divindade maior. “Não é algo selvagem, é apenas diferente”, concluiu o professor.