Prefeito é notificado pelo MPE para esclarecer compra milionária da robótica
Ministério Público Estadual começou apuração após o Ministério Público Federal identificar suspeitas na contratação
O prefeito de Dourados, Alan Guedes (PP), foi notificado pelo MPE-MS (Ministério Público Estadual) a prestar esclarecimentos sobre a compra milionária de kits de robótica de uma empresa alagoana que foi alvo da Polícia Federal por supostas fraudes licitatórias e superfaturamento em municípios daquele estado.
Endereçado pelo promotor Ricardo Rotunno, da 16ª Promotoria de Justiça da comarca, o Ofício nº 0406/2023/16PJ/DOS, com prazo de 10 dias úteis para resposta aos questionamentos, foi recebido pelo mandatário na manhã de quarta-feira (19).
Trata-se da fase inicial da Notícia de Fato nº 01.2023.00005098-7, instaurada pelo MPE-MS a partir de ofício enviado pelo MPF (Ministério Público Federal), que apurou uma série de suspeitas na contratação de R$ 8.753.000,00 e declinou a atribuição para investigar e eventualmente punir responsáveis porque a verba utilizada foi municipal e não federal.
Em despacho de segunda-feira (17), quando determinou o envio de ofício ao prefeito, o titular da 16ª Promotoria de Justiça levou em consideração evidências de “possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico n. 044/2021, Ata de Registro de Preços n. 34/2021, que visava a aquisição de Kits de Robótica, a fim de serem distribuídos nas escolas municipais”, bem como a “necessidade de verificar a veracidade das inconsistências apontadas”.
O promotor de Justiça solicitou ao prefeito “o estudo técnico preliminar que originou o processo licitatório modalidade Pregão Eletrônico n. 044/2021, Ata de Registro de Preços n. 34/2021”, bem como “todas as cotações apresentadas pelas empresas que participaram do certame, de modo claro e objetivo”, e “esclarecimentos quanto a justificativa para a não realização do orçamento com outras empresas, a exemplo da POSITIVO”.
Além disso, Alan Guedes deve apresentar ao MPE “projetos que demonstrem a viabilidade da execução do curso de robótica nas escolas municipais, mormente no que tange a adequação de infraestrutura, transporte e acessibilidade, que assegurem o acesso as aulas a todos os integrantes da instituição de ensino”.
O alvo das suspeitas é o contrato celebrado em dezembro de 2021 pela Prefeitura de Dourados com a Megalic LTDA, sediada em Maceió, Alagoas, que totalizou R$ 8.753.000,00. A maior parte desse montante, R$ 8.137.000,00, foi destinada para aquisição de 50 kits de Solução Robótica Educacional e posteriormente, no dia 10 de março de 2022, a administração municipal empenhou (reservou recursos) mais R$ 616.000,00 para pagamento do 2º Termo Aditivo ao Contrato nº 181/2021/DL/PMD, referente a prestação de serviços de capacitação e treinamento embutido no kit Solução Robótica Educacional (SRE), conforme solicitado através da CI nº 192/2022/SEMED, objetivando atender a Rede Municipal de Ensino.
Essa empresa fornecedora foi alvo de operação deflagrada pela Polícia Federal no início de junho contra suposta fraude licitatória e superfaturamento em municípios alagoanos. E a gestão do prefeito Alan Guedes (PP) fez a compra milionária justamente através do Processo Administrativo n° 07210001/2021, Pregão Eletrônico nº 044/2021, Ata de Registro de Preços nº 34/2021, realizado pelo Município de Delmiro Gouveia/AL.
Acionado por meio de denúncia feita pelo vereador Fabio Luis (Republicanos), que presidiu a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da robótica na Câmara Municipal - arquivada após votação em plenário -, o procurador federal Eduardo Gonçalves, que atua em Dourados, verificou inconsistências na contratação milionária e apontou necessidade de apuração por parte do MPE.
Ele mencionou que a contratação da Prefeitura de Dourados foi feita às pressas, já que o estudo preliminar data de 10 de dezembro de 2021 e o contrato foi assinado no dia 22 daquele mesmo mês, ou seja, pouco depois de 12 dias. “A Prefeitura não tem qualquer projeto consistente de robótica ou um plano de trabalho efetivo”, pontuou.
A apuração do MPF verificou que em 7 de dezembro de 2021 a gestão Alan Guedes “já havia elaborado requisição para licitação, sem antes mesmo ter um estudo preliminar, que só foi apresentado em 10/12/2021”. “Ou seja, essa carona foi algo que vinha sendo planejado mesmo antes do estudo preliminar”, avaliou.
O procurador da República apontou que a cotação de preço junto a três empresas data de 8 de dezembro de 2021, antes mesmo da apresentação do estudo preliminar.
Ao mencionar que a Prefeitura de Dourados cotou preços com a Editora Viva de Recife, informa que “não localizou o site da referida editora, bem como consta do sistema Radar que a empresa não possui nenhum funcionário registrado no ano de 2019”.
Quanto à Life Tecnologia Educacional EIRELI, outra empresa que foi chamada a apresentar cotação de preços, nos sistemas do MPF, aparece com 0 funcionários. “Seu site sequer possui indicação de seu CNPJ, por exemplo”, detalhou o procurador.
Já em relação à Novo Soluções Para Educação EIRELI, o procurador da República apurou possuir 4 empregados registrados, e o MPF sequer localizou seu site.
“A prefeitura deixou de orçar com grandes empresas, como POSITIVO, por exemplo, o que causa estranheza, pois exclui da competição grandes players com forte atuação na região centro-sul”, ponderou.
A manifestação da Procuradoria da República finaliza considerando que “por fim, e ainda mais grave, é o fato de a prefeitura de Dourados ter aderido a uma ata de registro de preços sem os devidos cuidados, pois pelos documentos juntados nos autos de licitação não é possível saber se no Município de origem (Delmiro Gouveia/AL) houve competição ou outras empresas interessadas em registrar preço”.
“Ora, é bem provável que a MEGALIC tenha sido a única interessada em registrar preços em Delmiro Gouveia e o Município de Dourados, ao aderir a essa ata, aceitou a proposta de uma única competidora em Estado onde, claramente, a competição é menor do que no Centro-Sul”, finalizou.
No dia 20 de junho, com a repercussão desse despacho do MPF e diante de reiterados questionamentos sobre a execução do projeto de robótica na rede municipal, a secretária de Educação, Ana Paula Benitez Fernandes, fez uma apresentação detalhada do Programa Municipal de Robótica para vereadores e órgãos de fiscalização do município.
Foi divulgado pela prefeitura que 10 escolas do município já estão com o projeto em pleno funcionamento. “Todos os kits seguem os parâmetros e diretrizes do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), com prática pedagógica reiterada e validada pelo MEC”, detalhou.
“Os alunos se reúnem em grupo e lidam com uma situação-problema, em que é preciso muita pesquisa, planejamento, raciocínio lógico, criatividade e interpretação de dados para chegar a uma solução. Em meio a fios e a sensores, eles ‘aprendem fazendo’, com liberdade para pensar na melhor solução para o que foi proposto pelo professor. As aulas acontecem em laboratório com o uso de kits de robótica, desenvolvidos para finalidade educacional, ou com o uso de sucatas junto a outros materiais, como motores e sensores controlados por programas de computador”, explicou a administração municipal.