MPT fortalece alianças com os Guarani-Kaiowá em Dourados
Na sexta-feira (24), o coordenador regional da Coordenadoria de Combate ao Trabalho Escravo (CONAETE) do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS), procurador Paulo Douglas Almeida de Moraes, esteve presente na tradicional reunião dos povos Guarani-Kaiowá, a Grande Assembleia Aty Guasu, realizada este ano no município de Dourados. Em sua intervenção, Moraes deu continuidade aos diálogos iniciados em uma reunião prévia na Procuradoria Regional do Trabalho, na capital, ocorrida na semana passada com lideranças indígenas do sul do estado.
O procurador do Trabalho enfatizou a importância de uma atuação conjunta e alinhada entre a comunidade indígena para o sucesso das políticas e estratégias de combate ao trabalho escravo em Mato Grosso do Sul. “Os indígenas são, atualmente, as maiores vítimas desse tipo de exploração no estado. É evidente que a mudança dessa realidade depende, fundamentalmente, de medidas preventivas que precisam ser implementadas diretamente nas aldeias. Essas ações devem ser fruto de um esforço conjunto entre as comunidades e as autoridades, garantindo que os próprios indígenas estejam no centro das decisões e estratégias para erradicar o trabalho análogo ao de escravo. Acredito firmemente que, somente com o protagonismo das lideranças e a colaboração ativa de todos os envolvidos, será possível construir uma via de trabalho digna e longe da exploração”, evidenciou.
Desdobramentos da Notificação Recomendatória do MPT e MPF
Recentemente, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF) expediram uma notificação recomendatória com o objetivo de corrigir distorções históricas no processo de contratação do trabalho de indígenas. Essa notificação é um marco significativo, pois reconhece a necessidade urgente de enfrentar as injustiças que têm sido perpetuadas ao longo dos anos. É fundamental que, além do documento formal, ela se torne uma fonte de reflexão coletiva e profunda sobre a situação dos trabalhadores indígenas de Mato Grosso do Sul.
A dignidade dos trabalhadores indígenas deve estar no centro dessas discussões a fim de assegurar que tenham condições justas de trabalho, remuneração adequada e respeito aos seus direitos culturais e humanos. O procurador do Trabalho foi enfático ao declarar durante a Grande Assembleia Aty Guasu: “não é aceitável e não será tolerado que os índios sejam discriminados e explorados, seja por não índios, seja pelos próprios índios. Vamos trabalhar em conjunto com as lideranças e com a comunidade indígena para que as soluções sejam produzidas a partir do protagonismo dos índios”.
Esforços em conjunto
Em reunião ocorrida neste mês na Procuradoria do Trabalho da 24ª Região, Paulo Douglas Almeida de Moraes recebeu lideranças indígenas e o representante da pasta do Governo do Estado em seu gabinete para alinhar estratégias de combate às contratações irregulares de trabalhadores indígenas. O subsecretário de Políticas Públicas para a População Indígena, Fernando Souza, buscou apoio e assessoramento técnico por parte do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul com o objetivo de avançar na política de contratação de indígenas provenientes dos territórios do estado. A intenção é qualificar essa força de trabalho e garantir que os trabalhadores conheçam seus direitos e deveres, para promover o respeito e a valorização ao trabalho que desempenham.
Conforme relatado por Souza durante o encontro, tem-se acompanhado, em vários territórios, especialmente na faixa de fronteira, a realização de contratações irregulares, onde a mão de obra indígena vem sendo explorada, muitas vezes em condições de semi-escravidão. Destacou-se a necessidade de que, enquanto indígenas e cidadãos, seja buscado respaldo legal junto ao MPT-MS para regularizar essas formas de contratação.
“Foi uma conversa importante e produtiva, com várias propostas de intervenção. Uma delas é a construção de um protocolo para a contratação regular da mão de obra indígena em conjunto com as lideranças (sejam elas cabeçantes e caciques dos territórios), membros do MPT e MPF. A partir de agora, serão iniciadas as tratativas com esses agentes para que esse documento seja elaborado o mais rapidamente possível e disseminado entre empresas, entidades e municípios, visando a regulamentação dessas contratações em sua totalidade”, observou o subsecretário de Políticas Públicas para a População Indígena.
Diálogo com as comunidades indígenas
Segundo Fernando Souza, há aproximadamente 85 aldeias indígenas e cerca de 20 a 30 comunidades em processo de regularização territorial no Estado de Mato Grosso do Sul. Ao todo, isso resulta em aproximadamente 100 a 110 caciques no estado. “Precisamos levar conhecimento sobre direitos e deveres trabalhistas não apenas aos caciques, mas a toda a força de trabalho indígena nos territórios. É fundamental disseminar essas informações dentro das aldeias no intuito de reduzir problemas e formas irregulares de contratação. Além disso, pretendemos criar um canal de comunicação para que os próprios trabalhadores saibam onde e como denunciar os casos de exploração. Assim, será possível cobrar fiscalização por parte do MPT, MPF e demais órgãos de controle”, explicou Souza.
Roberto Carlos Martins, cacique da Aldeia Porto Lindo, localizada em Japorã, detalhou durante o encontro com o procurador do Trabalho, os desafios enfrentados pelos povos originários no âmbito trabalhista. “Esse protocolo visa assessorar os caciques, pois atualmente trabalhamos e cuidamos de nossas comunidades sem nenhum tipo de orientação. Se cometemos erros, não é intencional, mas sim pela falta de alguém que nos informe o que está ou não dentro da lei. A implementação deste protocolo garantirá que as ações sejam legais para que todos os trabalhadores indígenas sejam respeitados e valorizados, com direitos e deveres iguais aos de todos os trabalhadores.”
Martins ainda afirmou que muitos caciques não sabem ler ou falar português e não têm contato com autoridades legais, o que permite que contratantes se aproveitem de sua falta de conhecimento e, assim, realizem ações incorretas, muitas vezes implicando seus próprios líderes em irregularidades sem que eles estejam cientes disso.
“Como cacique da Aldeia Porto Lindo, estou muito preocupado com tudo o que vem acontecendo com nossa comunidade, não apenas em Porto Lindo, mas em toda a região sul. Por isso, estamos aqui junto com Fernando e outras lideranças, conversando com o procurador Paulo Douglas, para que possamos obter orientação e caminhar juntos. Estamos dispostos a corrigir os erros que estão sendo cometidos dentro da comunidade indígena. Pensando dessa forma, é importante essa aproximação com as autoridades e levarmos as orientações recebidas para dentro dos territórios. Diante dessas dificuldades, é preciso ampliar essas informações para outras aldeias, para que os nossos parentes indígenas, líderes, caciques e cabeçantes não sejam penalizados por mal-entendidos ou ações que não cometeram”, observou o cacique.
Após a reunião na PRT24, Fernando Souza anunciou a criação de um grupo de trabalho composto por representantes do MPT de Campo Grande, Dourados, Três Lagoas, MPF e lideranças indígenas estratégicas, desde o Cone Sul até os povos do Pantanal, para delinear a minuta do protocolo de regularização. “O objetivo é acabar de vez com os contratos de trabalho clandestinos dentro dos territórios indígenas. Será proposta a realização de um seminário envolvendo todos os caciques do estado, cabeçantes e órgãos de controle, como o MPT, com o objetivo de referendar e obter a aprovação coletiva desse documento, que é o protocolo de contratação”, finalizou Souza.