Douradenses repudiam Murilo por falta de transparência e atendimento a interesses privados
Carta de repúdio foi assinada por associação de moradores e corre os corredores de órgãos públicos e entidades de classe no município
Um ofício assinado pela Associação dos Moradores do Portal de Dourados e residentes do Bairro BNH II Plano manifesta repúdio ao prefeito Murilo Zauith (PSB). O documento teria sido encaminhado à Prefeitura de Dourados, Câmara de Vereadores e outras associações e entidades de classe e assinala uma série de ações ilegais que teriam sido cometidas pelo chefe do Executivo municipal em atendimento a interesses privados. A reportagem da 94 FM aguarda retorno do e-mails encaminhados para a assessoria de comunicação da prefeitura. A Câmara já respondeu.
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Conforme o documento ao qual a 94 FM teve acesso, o foco central do descontentamento é a série de alterações promovidas na Lei de Uso e Ocupação do Solo e no Plano Diretor do município sem que houvesse participação popular ou transparência por parte dos gestores públicos no Executivo e Legislativo. O presidente da Câmara, vereador Idenor Machado (DEM), também é citado em tom crítico.
ILEGALIDADES
Embasados nos princípios da “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” elencados pela Constituição Federal como norte da administração pública, os autores do ofício consideram que prefeitura e Câmara agem ilegalmente e em harmonia para atender interesses particulares de empresários do ramo imobiliário.
O estopim para a confecção da carta de repúdio foi a recente manifestação do prefeito contra a instalação do presídio feminino no centro da cidade. À ocasião ele citou a Lei de Uso e Ocupação do Solo como empecilho legal.
Para os autores, Zauith agiu em desacordo com os princípios constitucionais quando promoveu “as reformas da lei de uso do solo do município” em 2012. Eles consideram que não houve “amplo debate popular e sequer se deu conhecimento à população sobre as questões de tamanha importância tratadas na Lei Complementar n. 205, de 19/10/12, alterada apenas um ano depois pela Lei Complementar n. 234, de 16/11/13”.
CONSTRUÇÕES
Além disso, os moradores consideram que “até 2012, a Lei Municipal de Uso do Solo em vigor - Lei 122/2008 - não permitia a construção habitacional multifamiliar ou multifamiliar/mixto na Rua Toshinobu Katayama, abaixo da Rua Ponta Porã sentido norte, tendo sido então alterada para permitir a construção de edifícios de mais de dois pavimentos na mesma região”.
Eles vão além e lembram que “a Lei Complementar n. 205, de 19/10/12, também procedeu à alteração de quadrante do município, mas não permitia a construção de edifico em terreno existente na esquina da rua Toshinobu Katayama com a rua Iguassu, o que se tornou possível com a nova reforma de 2013”, o que “possibilitou a construção de prédios de apartamentos no local”.
SUSPEITA
Na avaliação dos moradores, a alteração da lei aconteceu de maneira “extremamente célere e, mais uma vez, sem que propiciasse a participação popular e a discussão com as ‘associações representativas dos vários segmentos da comunidade’”.
Outro ponto elencado na carta de repúdio ressalta que “a total ausência de transparência e de debates sobre as medidas que atingem de forma direta e indireta todos os moradores da região”. Eles consideram que a “existência de empreendimento anunciado através de outdoor no mencionado terreno do lote B, quadra nº 03, localizado na rua Toshinobu Katayama, nº 1915, esquina com a rua Iguassu, bairro Portal de Dourados, possibilita especulações acerca da violação também do princípio da impessoalidade, na medida em que as reformas legislativas possibilitaram a aprovação do alvará de construção de edifício de 14 andares pela empresa ‘Zagaia Incoportadora & Construtora Ltda’”.
LEGISLATIVO
É mencionado no documento que “a sede de tal incorporada, onde possivelmente se comercializarão as unidades foi construída antes mesmo da aprovação do alvará, corroborando os indícios de que todas as medidas que, de forma tão drástica, alteraram a lei de uso de solo do município destinavam-se previamente à sua aprovação, fato que inclusive é objeto de procedimento administrativo em trâmite no Ministério Público Estadual”.
Como agravante, conforme avaliam os autores da carta, “os vícios que maculam o processo legislativo, para além da ausência de publicidade, de debates populares e de análise criteriosa do projeto que foi aprovado nas comissões da Câmara de Vereadores em tempo recorde, encontram-se também na possível suspeição do Presidente da Casa de Lei, Sr. Idenor Machado, uma vez que o arquiteto que firmou o projeto arquitetônico da edificação é seu filho, Alessandro Machado”.
INVESTIGAÇÕES
Quanto às medidas legais tomadas contra essas ações, os autores da carta informam que tramitam no Ministério Público Estadual na 11ª e na 16ª Promotoria de Justiça, o Inquérito Civil n. 76/2012/PJDHU e o Procedimento Preparatório n. 006/2014/PJPPS/DD, respectivamente.
O último, segundo a carta, apura “informações sobre ‘eventual manobra para atender os interesses individuais de um único investidor em detrimento de bairros eminentemente residenciais, por intermédio da Lei Complementar nº 234 de 16 de dezembro de 2013, que altera a Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo e o Sistema Viário do Município de Dourados’”.
OUTRO LADO
Em e-mail de resposta encaminhado para a 94 FM às 17h01, a assessoria de comunicação da Câmara de Dourados informou o que segue:
“O presidente da Câmara de Dourados Idenor Machado informa que:
Se posicionará prontamente e oficialmente sobre essa questão, após análise do documento que foi encaminhado à Casa, pela Comissão de Obras e Serviços Públicos”.
Essa comissão é presidida pelo vereador Cirilo Ramão Ruiz Cardoso (PTC) e tem na condição de vice-presidente o vereador Alberto Alves dos Santos (PDT) e Raphael da Silva Matos (PTB) membro. Todos esses parlamentares compõem a base aliada do prefeito Murilo Zauith no Legislativo.
*Matéria editada às 17h28 para acréscimo de informações.
Confira a carta de repúdio na íntegra:
Dourados-MS, 03 de junho de 2014
Senhor Prefeito Municipal,
Considerando que o art. 37 da Constituição Federal, traça os princípios da administração pública como sendo os da “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”;
Considerando que qualquer ato administrativo que não esteja em consonância com tais princípios é inválido;
Considerando que o princípio da transparência dos atos públicos encontra-se em harmonia com os demais, pois permite a aferição da efetiva observância dos demais princípios e a fiscalização dos atos administrativos;
Considerando que a Lei Complementar nº 72, de 30/12/2003 que institui o plano diretor de Dourados, conceituado em seu art. 2º, como “o instrumento básico da política do desenvolvimento e expansão urbana”;
Considerando que os princípios fundamentais do plano diretor, prescritos no art. 4º da referida lei, são os de “promover o desenvolvimento sustentável do município de Dourados de modo integrado, com a finalidade de obter melhoria da qualidade de vida da população e o incremento do bem estar da comunidade”;
Considerando que para que sejam atingidas tais finalidades, o art. 29, II, estabelece que, dentre outras diretrizes, observar-se-á a “gestão democrática, por meio da participação da população e das associações representativas dos vários segmentos da comunidade, na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
Considerando que em harmonia com os citados dispositivos da lei municipal, o art. 95, prevê em seu inciso III, como instrumentos de gestão da política urbana do Município, “os debates, as conferências, as audiências e as consultas públicas”;
Considerando que em desacordo com os princípios constitucionais e infraconstitucionais supramencionados as reformas da lei de uso do solo do município, de iniciativa do Poder Executivo, levados a efeito a partir de 2012, não possibilitaram amplo debate popular e sequer se deu conhecimento à população sobre as questões de tamanha importância tratadas na Lei Complementar n. 205, de 19/10/12, alterada apenas um ano depois pela Lei Complementar n. 234, de 16/11/13, que entrou em vigor na data de sua publicação, dia 23/12/13;
Considerando que até 2012, a Lei Municipal de Uso do Solo em vigor _ Lei 122/2008 _ não permitia a construção habitacional multifamiliar ou multifamiliar/mixto na Rua Toshinobu Katayama, abaixo da Rua Ponta Porã sentido norte, tendo sido então alterada para permitir a construção de edifícios de mais de dois pavimentos na mesma região;
Considerando que a Lei Complementar n. 205, de 19/10/12, também procedeu à alteração de quadrante do município, mas não permitia a construção de edifico em terreno existente na esquina da rua Toshinobu Katayama com a rua Iguassu, o que se tornou possível com a nova reforma de 2013, que, em procedimento extremamente célere e, mais uma vez, sem que propiciasse a participação popular e a discussão com as “associações representativas dos vários segmentos da comunidade”, possibilitou a construção de unidades multifamiliares, prédios de apartamentos no local;
Considerando que, embora tais alterações legislativas, possibilitem a construção de edifícios nos terrenos de esquina da Rua Iguassu, a partir da rua Aquidauana até a rua Eulália Pires, o que viabiliza construções de edificações dessa natureza em bairros tradicionalmente residenciais de Dourados, como Portal de Dourados, BNH II plano, Girassol e outros, sem que os moradores e proprietários de imóveis na região tivessem conhecimento de tal fato;
Considerando que a ausência de estudos e discussões sérias e aprofundadas sobre tema tão impactante traz insegurança jurídica, tanto que, estando em vigor a nova lei há menos de seis meses, aventa-se nova alteração legislativa, mas diferentemente da postura adotas nas alterações anteriores, por se tratar de questão que, de plano se sabe contar com apoio popular, encontra-se divulgada no site oficial da Prefeitura Municipal com a informação de que será encaminhada proposta à Câmara de Vereadores para “abrir uma discussão com a sociedade”;
Considerando que nas alterações anteriores não se procedeu da mesma forma;
Considerando que a total ausência de transparência e de debates sobre as medidas que atingem de forma direta e indireta todos os moradores da região, aliada à existência de empreendimento anunciado através de outdoor no mencionado terreno do lote B, quadra nº 03, localizado na rua Toshinobu Katayama, nº 1915, esquina com a rua Iguassu, bairro Portal de Dourados, possibilita especulações acerca da violação também do princípio da impessoalidade, na medida em que as reformas legislativas possibilitaram a aprovação do alvará de construção de edifício de 14 andares pela empresa “Zagaia Incoportadora & Construtora Ltda”;
Considerando que a sede de tal incorporada, onde possivelmente se comercializarão as unidades foi construída antes mesmo da aprovação do alvará, corroborando os indícios de que todas as medidas que, de forma tão drástica, alteraram a lei de uso de solo do município destinavam-se previamente à sua aprovação, fato que inclusive é objeto de procedimento administrativo em trâmite no Ministério Público Estadual;
Considerando que os vícios que maculam o processo legislativo, para além da ausência de publicidade, de debates populares e de análise criteriosa do projeto que foi aprovado nas comissões da Câmara de Vereadores em tempo recorde, encontram-se também na possível suspeição do Presidente da Casa de Lei, Sr. Idenor Machado, uma vez que o arquiteto que firmou o projeto arquitetônico da edificação é seu filho, Alessandro Machado;
Considerando que em virtude de todas essas circunstâncias tramitam no Ministério Público Estadual na 11ª e na 16ª Promotoria de Justiça, o Inquérito Civil n. 76/2012/PJDHU e o Procedimento Preparatório n. 006/2014/PJPPS/DD, respectivamente, sendo este último instaurado para apurar informações sobre “eventual manobra para atender os interesses individuais de um único investidor em detrimento de bairros eminentemente residenciais, por intermédio da Lei Complementar nº 234 de 16 de dezembro de 2013, que altera a Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo e o Sistema Viário do Município de Dourados”;
Resolvem apresentar o presente REPÚDIO aos atos administrativos praticados com base nas citadas leis municipais, que padecem de vícios insanáveis decorrentes da violação de princípios norteadores da administração pública, solicitando que sejam suspensos a fim de possibilitar que sejam objeto de amplos debates populares, nos moldes propostos para a alteração da mesma lei de uso de solo com o intuito de impedir a instalação de presídio na área central da cidade.
Sem mais para o momento, renovo protestos de estima e consideração.
Associação dos Moradores do Portal de Dourados e residentes do Bairro BNH II Planto, signatários do abaixo assinado contra os fatos supradescritos