Com foco na conscientização sobre diferentes tipos de assédios, policiais penais são instruídos em Dourados
Levantamento feito pela OIT revelou que 74% das mulheres sofrem algum tipo de assédio sexual na área de segurança pública e forças armadas
Em continuidade às ações que visam promover a melhoria das relações de trabalho, a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) realizou, no dia 15 de fevereiro, o 2º Encontro de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, Sexual e Discriminação, uma iniciativa que integra conjunto de medidas fixadas em recomendação do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS) endereçada à Agepen. Dessa vez, o ciclo de palestras foi ministrado no município de Dourados. A primeira edição do encontro ocorreu em dezembro do ano passado, na capital do estado, Campo Grande.
Direcionado para diretores, chefias e demais policiais penais, o evento contou com a participação do procurador do Trabalho Jeferson Pereira, enquanto um dos palestrantes. Em sua abordagem sobre o tema, ele esclareceu sobre condutas que podem ser qualificadas como assédio moral, sexual ou discriminação no ambiente de trabalho; como o MPT se esforça para coibir esses tipos de atos; quais os canais oficiais para registro de denúncia; perfil das vítimas, e as consequências aplicadas ao agente público assediador.
“É um tema muito atual e importantíssimo, algo que tem afligido a comunidade laboral como um todo, que ganhou muito relevo nos últimos 20 anos, mas infelizmente ainda temos recebido muitas denúncias. Abordarmos o assunto, deixa-nos confiantes de que existe um empenho de ser combatida essa prática”, destacou o procurador.
Segundo Pereira, o assédio moral reflete uma conduta deliberada, com intencionalidade e objetivo de causar exposição do trabalhador a situações humilhantes, constrangedoras, repetitivas e prolongadas, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, e pode ocorrer de forma interpessoal ascendente, descendente e horizontal.
“São mais comuns em relações hierárquicas autoritárias, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e antéticas de longa duração, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e forçando-a, inclusive, a desistir do emprego”, exemplificou o procurador.
Já o assédio sexual no trabalho é definido como uma conduta abusiva e indesejada, concretizada por meio de manifestações verbais e/ou físicas, com a finalidade de prejudicar o desempenho laboral da vítima, causando-lhe constrangimentos e intimidações, ou ainda a obtenção de favores de cunho sexual.
Além do procurador Jeferson Pereira, palestraram sobre o tema o coordenador do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial e Étnica (Nupiir) da Defensoria Pública, defensor Lucas Pimentel; o coordenador das Defensorias Criminais da 4ª Região de Dourados, defensor Rodrigo Compri; a titular da Delegacia de Atendimento à Mulher em Dourados, Ana Cláudia Pimentel Malheiros Gomes, e o coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Centro Estadual de Cidadania LGBT+, vinculado à Subsecretaria de Políticas Públicas LGBT de MS, Jonatan Espíndola. Pela Agepen, abordaram o assunto o corregedor-geral Creone da Conceição Batista e a ouvidora Cinthia Danielle do Nascimento Silva.
Recorte
Durante o ciclo de palestras, foram apresentados dados estatísticos da Convenção nº 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2019, elaborada com o intuito de eliminar a violência e o assédio em todas as suas formas no ambiente laboral.
Conforme o levantamento, 74% das mulheres sofrem algum tipo de assédio sexual na área de segurança pública e forças armadas; destas, 83% não denunciaram por não acreditar na instituição; 51% que denunciaram sofreram represálias e o assediador não foi punido; em 36% dos casos nada aconteceu após as denúncias; 88% não se sentem protegidas pela instituição; 92% das instituições não têm campanha de prevenção.
Recomendação
Em dezembro de 2021, o Ministério Público do Trabalho expediu recomendação à Agepen no sentido de que fossem adotadas diversas providências capazes de, em uma perspectiva educativa e preventiva, evitar comportamentos assediadores no órgão e seus múltiplos prejuízos tanto para o desempenho do servidor quanto para a imagem de uma instituição pública.
Além da realização de palestras explicativas sobre o tema assédio moral, sexual e discriminação no trabalho, o MPT propôs à agência a implementação de um código de ética, voltado à construção de um ambiente laboral saudável e de respeito à honra, à reputação, à liberdade, à dignidade e à integridade física, intelectual e moral de seus agentes públicos.
Outras medidas, constantes da recomendação emitida, tratam da promoção de uma ampla campanha educativa no âmbito da Agepen, a partir da exibição de vídeos e/ou distribuição de cartilhas de conscientização coletiva; do envio de comunicação interna para todos os empregados que exerçam funções de direção/gerência/chefia/supervisão/coordenação, contendo orientações sobre preconceito, discriminação de qualquer espécie, assédio sexual ou moral, e da criação de um canal de comunicação para recebimento de denúncias.
A intervenção do MPT-MS junto à Agepen teve como origem uma denúncia recebida pela instituição, em agosto de 2021, que resultou na instauração de inquérito civil para apurar supostas condutas de assédio sexual praticadas em face de policiais penais lotadas na Penitenciária de Segurança Máxima de Naviraí, no interior do estado.
Conforme reportagem publicada à época pelo site Campo Grande News, e que serviu de base para instruir o inquérito do MPT, duas servidoras foram à Polícia Civil para denunciar o então chefe de Disciplina e Vigilância do local por “importunação, violência psicológica contra a mulher e assédio sexual”. Elas relataram que os episódios iniciaram entre 2018 e 2019.
Pressionada, uma das vítimas disse que recorreu a ajuda psiquiátrica e precisou ser afastada do serviço por dois meses, para tratamento. Já a segunda mulher revelou que não ficou livre dos comentários do colega de trabalho nem quando estava grávida.
Instada pelo MPT a se manifestar, a corregedoria-geral da Agepen informou, em setembro de 2021, que o caso estava em processo de apuração, bem como foi realizada diligência na penitenciária de Naviraí no início daquele mês, objetivando colher informações necessárias à instauração de um eventual procedimento disciplinar. Além disso, a corregedoria-geral recomendou à direção da Agepen que o servidor apontado como assediador fosse remanejado para outra unidade prisional da mesma comarca, no intuito de preservar os trâmites apuratórios.
Outra situação, também ocorrida em 2021 e que chegou ao conhecimento do MPT por meio de um procedimento encaminhado pela 3ª Promotoria de Justiça de Naviraí, tratava de suposta conduta caracterizadora de assédio moral praticada por uma policial penal que estaria ocupando, irregularmente, o cargo de chefe de Segurança e, valendo-se dessa condição, adotando uma postura desrespeitosa junto aos demais agentes. Em resposta sobre esse caso, a corregedoria-geral da Agepen informou que uma equipe do órgão se deslocou até a cidade de Naviraí, onde realizaram oitivas com servidores lotados naquela unidade penal, além de realizarem inspeção in loco na penitenciária, a fim de averiguar os fatos denunciados.
Em setembro de 2022, a Agepen comunicou ao MPT que, em relação às denúncias de supostas infrações funcionais na Penitenciária de Segurança Máxima de Naviraí, foram instaurados dois procedimentos de sindicância e um processo administrativo disciplinar.