Presidente do TCU barra pedido de informação sobre seus próprios atos
O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz, negou atendimento a pedido de informação sobre atos por ele mesmo praticados no exercício do cargo de ministro do órgão. Por meio da Lei de Acesso à Informação, um jornalista solicitou, em agosto do ano passado, a relação de processos em que houve pedido de vista de autoria do ministro a partir de 2007. O questionamento visava apurar alguma possível ação em favor do escritório Cedraz Advogados, de Tiago Cedraz, filho do presidente do tribunal. Após apresentação de recurso, que deveria ter sido respondido em até cinco dias, o pedido transita pelas gavetas do TCU há quase um ano. Passou pelas mãos de cinco ministros – que se declararam impedidos de relator o caso – e está empacado no gabinete do ministro Bruno Dantas há oito meses.
Inquérito da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) apura a participação do advogado Tiago Cedraz em um suposto esquema de corrupção na construção da Usina de Angra 3. O inquérito é baseado na delação premiada do dono da empreiteira UTC, Ricardo Pessoa. O empresário disse que Tiago pediu R$ 1 milhão para garantir que a licitação e o contrato de construção da usina seguissem sem maiores problemas.
A reportagem do Congresso em Foco teve acesso a documentos internos do TCU, como os despachos e o histórico do processo administrativo 25.278/2015, que trata do pedido de informação (veja os registros abaixo).
A demanda chegou ao tribunal em 17 de agosto de 2015. No dia seguinte, a Ouvidoria do tribunal, que recebe esse tipo de pedido, solicitou ao presidente informações para preparar a resposta ao jornalista. Passados 23 dias, em 10 de setembro, Cedraz assinou despacho argumentando que o pedido “não diz respeito a informação acabada em poder do tribunal”. Fez ainda menção a portaria interna estabelecendo que “não serão atendidas solicitações que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados”. Determinou que a Ouvidoria indicasse ao interessado o local onde se encontram as informações solicitadas – no caso, as atas produzidas pela Secretaria das Sessões (Seses), disponíveis no portal do TCU.
A Ouvidoria já havia preparado uma lista com 182 processos do tribunal nos quais o escritório de Tiago Cedraz atuou. Mas a Presidência do TCU considerou que a lista estava incompleta e imprecisa e não autorizou a sua divulgação.
A Ouvidoria informou ao jornalista, no dia seguinte, que o seu pedido havia sido “indeferido”, mas que ele poderia entrar com recurso contra “a decisão denegatória”, que seria dirigido à Presidência do tribunal. Em cinco dias, o interessado apresentou o recurso, que foi encaminhado à Secretaria das Sessões para sorteio do relator. Em 21 de setembro, o sorteio foi realizado e registrado no processo às 16h32. O ministro Augusto Nardes fora nomeado para a função. Apenas 27 minutos depois, o sorteio foi retirado do processo. Mais 37 minutos e o procedimento chegou ao gabinete do presidente do tribunal, Aroldo Cedraz. Após receber seguidos recados de que Cedraz queria o seu pedido de exoneração do cargo, o ouvidor do TCU, Eduardo Murici, em 24 de setembro pediu dispensa da função comissionada que exercia. Foi acomodado na Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas.
Críticas à Ouvidoria
Em novo despacho, assinado em 5 de outubro do ano passado, Cedraz justificou a decisão da Seses de anular o sorteio por se tratar de um suposto recurso contra decisão do presidente do tribunal – no caso, ele mesmo. No exame do mérito da matéria, contestou a interpretação da Ouvidoria que atribuiu à sua decisão “caráter denegatório do pedido”. Reafirmou que apenas determinou a indicação do local onde o interessado poderia extrair os dados do seu interesse, destacando que essa providência está prevista no artigo 11, parágrafo 6º, da Lei de Acesso à Informação.
Mas esse parágrafo faz uma ressalva: “Salvo se o requerente declarar não dispor de meios para realizar por si mesmo tais procedimentos”.
O presidente do TCU criticou duramente a decisão da Ouvidoria de comunicar ao jornalista o “suposto indeferimento do pleito”, além de indicar a “via recursal”. Entendeu que o ouvidor fez “leitura incorreta da solução normativamente prevista” e mostrou-se “desatento aos limites das competências que lhe foram atribuídas”. Cedraz recomendou que fosse dado “imediato conhecimento dos fatos” à Corregedoria da Casa, para “as providências cabíveis”, com base no artigo 29 da Resolução do TCU 249/2012, que dispõe sobre a aplicação da Lei de Acesso à Informação no tribunal. Esse artigo prevê as condutas ilícitas que resultam na responsabilização do agente público. As infrações administrativas podem resultar em penas que vão da suspensão até o enquadramento em atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública.
Em conflito direto com o presidente do tribunal, sem apoio e temendo retaliações, Eduardo Murici pediu aposentadoria em 16 de outubro. Procurada pela reportagem, a Presidência do TCU afirmou que encaminhou à Corregedoria cópia do despacho do presidente “para ciência”. Acrescentou que não houve instauração de procedimento disciplinar contra servidores da Ouvidoria em razão de possível atuação indevida no processo de solicitação de informações.
“Conflito de interesse”
No despacho de 5 de outubro, Cedraz contestou afirmações feitas pelo jornalista ao apresentar o recurso. “A decisão da Presidência cumpre ao propósito de escamotear atividades de um dos ministros do TCU, o que destoa do discurso da instituição”, disse o jornalista, que também apontou a existência de “conflito de interesse” na negativa do seu pedido por parte do presidente do tribunal.
O ministro afirmou que “a abertura do tribunal aos interesses da sociedade não é mero discurso” e destacou “o caráter público e o acesso universal às informações” no âmbito da Corte. Sobre o “conflito de interesse”, Cedraz voltou a afirmar que não houve negativa e que atuou no caso “nos estritos limites previstos pela legislação”.
A tese de conflito de interesses é reforçada pela presidente da Confederação Nacional dos Auditores dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira. “Houve conflito de interesses”, afirma a presidente. Ela denuncia ainda que o sistema de informação do TCU não tem os métodos adequados para fazer o tipo de pesquisa solicitado.
“Os procedimentos não são claros nem transparentes. Não atendem às premissas do artigo 5º da Lei de Acesso”, acrescentou. O artigo citado diz que “é dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão”.
Sorteio restituído
Mesmo tendo apoiado o “desentranhamento” do resultado do sorteio do processo, o presidente do TCU aproveitou o despacho de outubro para determinar à Secretaria das Sessões que reinserisse aos autos o resultado do sorteio, com remessa do processo ao gabinete do ministro sorteado, Augusto Nardes.
Em um período de 25 dias (de 26 de outubro a 20 de novembro), o processo passou pelos gabinetes dos ministros Nardes, Raimundo Carreiro, Walton Alencar, Vital do Rêgo e José Múcio. Por diversos motivos, todos se declararam impedidos de relatar o caso. Em 25 de novembro, o processo chegou ao gabinete de Bruno Dantas, onde permanece sem decisão até hoje.