MPF obtém decisão no STJ que reconhece direito ao benefício de prestação continuada para pessoa com deficiência mental em grau leve
A corte acolheu a tese do MPF, baseada na Lei Brasileira de Inclusão, de que a deficiência não pode ser avaliada isoladamente, mas no contexto social em que a pessoa vive
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo posicionamento defendido pelo Ministério Público Federal (MPF), decidiu dar provimento parcial a recurso especial para que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) seja obrigado a conceder o Benefício de Prestação Continuada (BPC) a uma pessoa que possui comprometimento mental ou intelectual em grau leve. O INSS havia negado o benefício à autora sob o fundamento de que sua incapacidade seria parcial. No entanto, estudo socioeconômico identificou que a mulher não possui condições de se inserir no mercado de trabalho em uma função compatível com seu quadro clínico.
A Corte seguiu o entendimento, defendido no parecer e no recurso especial da Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR3), bem como no parecer da Procuradoria Geral da República (PGR), de que “o fato de a incapacidade ser parcial não obstaria a concessão do benefício assistencial, uma vez que devem ser consideradas as circunstâncias pessoais e socioculturais” da pessoa requerente. Além disso, o STJ entendeu que a legislação não especifica o grau de incapacidade para configuração da deficiência e que o INSS não pode restringir o benefício sob este argumento.
Para a procuradora regional da República Eugênia Augusta Gonzaga, que atuou no processo perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), "a importância neste caso é que há uma barreira muito grande para a admissão de recursos especiais. Este caso não só foi admitido, como também acolhida a nossa tese, baseada na legislação atual - não observada pelo TRF3 -, de que a deficiência não pode ser analisada isoladamente, mas no contexto social em que a pessoa vive", afirmou.
Segundo consta dos autos, o caso envolve uma mulher analfabeta que vive em situação de risco social com seus três filhos, residindo todos em uma casa cedida. A residência é composta por apenas um cômodo fechado e um espaço de garagem aberto, utilizado como cozinha e fechado por um cobertor, sem banheiro. A mulher recebe, para fins de sustento, apenas R$ 310 reais, repassados pelo Programa Bolsa Família, e seu quadro clínico não permite que ela exerça qualquer tipo de trabalho, levando-se em conta, inclusive, as circunstâncias pessoais relatadas no estudo socioeconômico sobre suas condições.
De acordo com a procuradora regional da República Maria Luiza Grabner, que também atuou no caso, “a ideia de deficiência para fins de concessão do benefício de prestação continuada deve levar em conta as circunstâncias pessoais e socioculturais do requerente e sua capacidade de inclusão social. Não se discute a incapacidade para o trabalho ou para a vida independente, mas a impossibilidade de participação na sociedade em igualdade de condições, diante de impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial.
O BPC é uma prestação mensal garantida pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) no valor de um salário mínimo (R$ 1,3 mil), destinado a pessoas idosas ou com deficiência, impossibilitadas de prover os meios necessários à sua manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Entenda o caso - Após diversas tentativas negadas de obter o BPC por requerimentos administrativos, a autora do pedido ingressou na Justiça, em 2014, contra o INSS para ter direito ao auxílio. Em 2019, o Juízo Federal julgou procedente a ação, no entanto, o INSS recorreu pedindo a extinção do processo, alegando que a deficiência da mulher seria de grau leve, sustentando a ausência do preenchimento, para a concessão do benefício, dos requisitos legais.
Em 2020, a 10ª Turma do TRF3, ao contrário do que foi defendido no parecer ministerial, deu provimento ao recurso do INSS, decidindo pela improcedência do pedido da autora. O Tribunal considerou que o requisito da deficiência não estava preenchido em virtude de ausência de incapacidade absoluta, entendendo que a deficiência em grau leve, apesar de caracterizar limitação para habilidades acadêmicas, não seria impedimento para o exercício de atividades práticas e não obstruiria a participação plena e efetiva na sociedade.
O MPF então entrou com recurso especial, em 2021, contra o acórdão proferido pelo TRF3, no julgamento de apelação cível. Na ação, o órgão ministerial alega violação ao art. 20, § 2º, da LOAS e ao art. 2º, § 1º, I a III, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, pois “o caso da autora implica grave barreira à participação social, apesar de ter algum acesso a tratamento médico e uso de medicamentos para sua doença”.
Na decisão do recurso do MPF, proferida em j2023 pelo STJ, a Corte acolheu a tese defendida pelo órgão ao reconhecer, nos termos da Lei Nº 8.742, que regulamenta o BPC, que a parte autora é portadora de deficiência, para efeito de concessão do benefício. Foi determinado, ainda, o retorno dos autos ao TRF3, para que prossiga no julgamento do recurso do INSS que questiona também a hipossuficiência econômica da autora da ação.