Desalojados em obras da Copa ainda não foram indenizados
A Copa do Mundo no Brasil passou, a Seleção caiu por 7 a 1 diante da Alemanha, mas quem realmente perdeu e sabe qual o real e pior legado do evento Fifa não estava dentro de campo. Alguns dos maiores prejudicados com a realização do torneio no País são do Loteamento São Francisco, em Camaragibe, Região Metropolitana do Recife. As obras de mobilidade para a Arena Pernambuco sequer foram construídas, mesmo assim 200 famílias foram desapropriadas. Oito delas tiveram alguém morto e com causa relacionada aos transtornos judiciais que envolveram a (não) indenização pela demolição dos imóveis.
As desapropriações foram executadas de forma inapropriada, com algumas etapas ignoradas e outras simplesmente equivocadas. O Loteamento São Francisco é uma região que vai da principal via de Camaragibe, a avenida Belmiro Correia, até as proximidades da Arena Pernambuco. O Ramal da Copa corta todo esse terreno e liga o Terminal Integrado de Passageiros de Camaragibe e a estação de metrô até o estádio. O custo da obra foi projetado em R$ 131 milhões, mas a construção nunca foi concluída e os desalojados sequer receberam a verba por saírem de suas moradias.
Família Brasil ainda sofre
Em uma das casas do Loteamento morava a família Brasil, as irmãs América (56 anos), Ocirema (60) e Clotilde (62). As duas primeiras são diagnosticadas com deficiências mentais. Já a última morreu no dia 13 de janeiro de 2014, após sofrer um infarto no Fórum de Camaragibe. Clotilde já apresentava transtornos psicológicos e depressão por conta da desapropriação, depois do falecimento foi sua filha, Cirlene, que tomou a frente no processo jurídico.
“Olhe, é uma luta, viu. Estamos há mais de dois anos tentando receber uma indenização que não tem o valor atualizado e vai ser dividido entre as pessoas que moravam no nosso imóvel. Hoje, o mercado imobiliário está com um valor muito maior”, lembra Cirlene Brasil. Após a morte da mãe, ela contratou um advogado particular, já que não teve o apoio necessário da Defensoria Pública e investiu os esforços para tentar ajudar as tias que vivem com a ajuda do auxílio moradia em Céu Azul, bairro de Camaragibe.
Indenização insuficiente e a dor compartilhada
Edson Bernardo morava na avenida Belmiro Correia, foi desapropriado e conseguiu receber a indenização. Mas garante que não foi fácil. “Fui muito insistente pra ser indenizado. Deu muito trabalho. Eu não deixei só nas mãos dos advogados não, eu estava no Fórum (de Camaragibe) às terças e sextas sem falta”, conta. “O imóvel estava no nome da minha ex-esposa. O dinheiro saiu, mas dividiu para mim e dois filhos e não foi suficiente para ninguém”, relata.
Apesar do baixo valor, Edson Bernardo investiu em outro imóvel também em Camaragibe, mais distante do centro e não se deu por satisfeito. Vários vizinhos dele ainda não foram indenizados e o pedido à reportagem do LeiaJá para investigar a situação dos amigos é quase um socorro.
Irregularidades na desapropriação se tornam dissertação de mestrado na UFPE
Membro do Comitê Popular da Copa e mestranda, Eugênia Lima acompanhou a situação dos desalojados do Loteamento São Francisco e está fazendo uma dissertação em Desenvolvimento Urbano no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU) sobre o caso. No estudo, ela aponta várias irregularidades no processo de desapropriação.
O estudo "O Loteamento São Francisco e a Copa do Mundo FIFA 2014 - a promessa de um legado (?)" aponta a falta de assistência jurídica aos desapropriados, falhas nos cronogramas, desinformação, imparcialidade no julgamento e inversão de prioridades. Erros que expõem o Governo do Estado, o Fórum de Camaragibe, a Defensoria Pública e as empresas que venceram as licitações - Consultoria Diagonal e Consultem (Consultoria de Serviços de Engenharia Ltda).
Dos 102 lotes expropriados no Loteamento São Francisco, apenas 48 tiveram acordos administrativos e não precisaram passar por processos judiciais. Os outros 54 tiveram seus casos conduzidos a ação judicial, o que representou a demora para as famílias receberem a indenização prevista pela desapropriação. Eugênia Lima aponta entraves judiciais como fatores primordiais na longa espera dos desalojados. “Titularidade da propriedade, quitação de débitos fiscais, falta de perícia judicial definitiva, demora na sentença e atuação da defesa”, explica. Todos fatores que condicionam famílias a um desesperado aguardo sem prazo para acabar.