Companhias aéreas podem proibir venda de milhas em programas de fidelidade, define Terceira Turma
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é lícita a cláusula contratual que impede a venda a terceiros de milhas obtidas em programa de fidelidade. Para o colegiado, a proibição não viola as normas que regulam os contratos ou o Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois as milhas são bonificações gratuitas concedidas pela companhia aérea ao consumidor em decorrência de sua fidelidade e, caso o cliente entenda que o programa não é vantajoso, pode livremente escolher outro que lhe ofereça condições mais atrativas.
O entendimento foi fixado pela turma ao julgar ação proposta por empresa de turismo que atua na compra e venda de milhas e que emitiu bilhetes para seus clientes utilizando o programa de milhagem de uma companhia aérea internacional. Após a operação, algumas das passagens foram bloqueadas e canceladas pela companhia por violação ao regulamento do programa de fidelidade, o qual não permite comercialização de milhas.
Com o cancelamento, a empresa de turismo propôs ação de indenização contra a companhia área, ao passo que a companhia apresentou reconvenção no processo, requerendo danos materiais e pedindo que a autora fosse proibida de realizar operações de emissão de bilhetes com o uso das milhas.
Em primeira instância, o juízo julgou improcedentes os pedidos da autora e procedentes os da reconvenção, condenando a autora ao pagamento do valor relativo aos bilhetes emitidos indevidamente e à abstenção da comercialização de bilhetes com milhas.
A sentença, contudo, foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que julgou improcedente a reconvenção e parcialmente procedentes os pedidos da autora, com a condenação da companhia aérea ao pagamento de danos materiais – em razão da emissão de novos bilhetes pela empresa de turismo em substituição aos cancelados – e de danos morais, estipulados em R$ 40 mil.
Validade da cláusula restritiva do programa de milhagem
Relator do recurso especial da companhia aérea, o ministro Marco Aurélio Bellizze explicou que, no Brasil, os programas de milhagens não possuem regulamento legal próprio. Entretanto, por configurar uma relação de consumo entre empresa aérea e cliente, observou, devem ser aplicadas ao tema as regras gerais dos contratos e das obrigações trazidas pelo Código Civil, além das previsões do CDC.
Nesse sentido, o ministro considerou inadmissível a adoção de cláusulas ambíguas ou contraditórias com o intuito de colocar o consumidor em desvantagem, de forma a proteger a equivalência entre as prestações do fornecedor e do consumidor.
Contudo, no caso dos autos, o relator apontou que esses princípios foram respeitados pela companhia aérea em seu programa de fidelidade, não cabendo falar, portanto, em abusividade das cláusulas que restringem a cessão de milhas. Por outro lado, ressaltou, o cliente sempre poderá buscar programas de milhas mais vantajosos, movimento que acaba incentivando a competividade no setor.
"A liberdade de iniciativa econômica consagrada pela ordem constitucional (inciso IV do art. 1º e artigo 170 da Constituição Federal) é pautada na livre concorrência, fomentando a competitividade entre os fornecedores em benefício dos consumidores, de modo que eventual insatisfação com a restrição para cessão das milhas estabelecida em regulamento de determinado programa de fidelidade pode ensejar a não aquisição das passagens e a troca da companhia aérea que eventualmente não estabeleça essa restrição em seu programa de milhas", completou.
Cessão do crédito é permitida em hipóteses específicas
Segundo o ministro Bellizze, o artigo 286 do Código Civil estabelece que o credor pode ceder o seu crédito, mas apenas se a prática não for contrária à natureza da obrigação, à lei, ou à convenção com o devedor. O texto legal também estabelece que a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.
No caso concreto, porém, o relator reforçou que o regulamento da companhia vedava expressamente a venda de milhas. Adicionalmente, o magistrado apontou que a empresa de turismo não poderia ser considerada uma cessionária de boa-fé, vez que atua especificamente na negociação de milhas, de modo que é possível presumir que ela conhece as regras no contexto de seu ramo de atuação – entre elas, os regulamentos dos programas de fidelidade.
"Portanto, não se verifica a alegada abusividade na cláusula do programa de milhas da ora recorrente, de maneira que se torna imperiosa a reforma do acórdão recorrido para julgar improcedentes os pedidos da ação principal, mantendo-se incólumes as disposições do acórdão recorrido quanto à reconvenção, dada a preclusão consumativa", concluiu o ministro.