Acusado de estupro de crianças de três anos afirma que é inocente

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Ele era monitor da famosa escola Mackenzie (Reprodução)
Ele era monitor da famosa escola Mackenzie (Reprodução)

Um caso polêmico em São Paulo: o funcionário de uma escola está preso, acusado de abusar de meninas de 3 anos. Só que algumas falhas no processo levantam dúvidas. Existem mesmo provas contra ele? O Fantástico entrevistou, com exclusividade, o acusado e uma parente de uma das meninas que teriam supostamente sofrido o abuso.

Há seis meses e meio a cadeia é o endereço de Antonio. “Chegou um policial, com as algemas, me algemou e olha: 'você, a partir desse momento, você está preso'. Meu mundo desabou naquele instante. Eu olhei aquela algema na minha mão: 'O que está acontecendo? O que é isso aqui?'.  Não tive explicação nenhuma”, diz Antonio.

Na manhã da prisão os policiais tinham batido na casa dele. “Disseram que eu tinha que comparecer à delegacia porque estava sendo investigado um caso de abuso de alunos. Eu não tinha advogado. Nunca imaginei que fosse precisar de advogado também", conta Antonio.

A entrevista com Antonio foi na sala de segurança do presídio. O acusado não pediu, mas o Fantástico vai preservar a imagem dele. Inspetor de alunos por nove anos no Colégio Mackenzie, em Barueri, na Grande São Paulo, Antonio foi acusado de estupro de vulnerável contra três meninas de 3 anos de idade. Desde 2009 a lei considera estupro qualquer abuso sexual, mesmo que não haja penetração.

O delegado, o promotor e a juíza responsáveis pelo caso não quiseram gravar entrevista.

De acordo com a denúncia do Ministério Público, no dia 22 de abril de 2014 Antônio teria se aproveitado do descuido de monitores e seguranças e levado as três crianças do prédio da Educação Infantil até o da Educação Física. Lá, ele teria tirado a roupa das meninas e tocado nos órgãos genitais delas.

A primeira acusação foi feita por uma das meninas, que contou a história para a babá, que então falou para os pais da criança. Uma parente de outra menina, que acompanhou todo o processo e pediu para que sua identidade não fosse revelada, diz que as suspeitas começaram quando as meninas se queixaram de assaduras. “Elas falaram 'ele me colocava no colo, abaixava a minha calcinha e mexia.....' Uma delas usou a expressão 'bimbinha', fazendo gestos com o dedo. A outra criança, na sequência, dizia: 'Eu não gostava que ele fazia isso. Eu falava que doía”, conta a parente.

Na delegacia, 16 dias depois de a menina ter falado com a babá, Antônio foi colocado ao lado de outros quatro homens. Uma das meninas fez o reconhecimento presencial.

O delegado perguntou: "Quem é o tio Antônio malvado?"
De imediato, ela apontou para Antônio, que era o segundo da esquerda para a direita e disse: "Bate nele. Bate no bumbum dele."

A promotora que estava presente perguntou o que Antônio havia feito. A menina respondeu:  "O tio colocou o dedo aqui", apontando para o bumbum.

A outra menina ficou nervosa e fez o reconhecimento de Antônio por foto. A terceira criança também reconheceu o inspetor de alunos na fotografia. O reconhecimento e o depoimento das crianças são as principais provas da acusação.

Reporter: Por que você acha que essas meninas te reconheceram como o tio malvado? Por que elas te reconheceram como sendo o autor desse crime?
Antonio: Na semana de Páscoa teve uma peça de teatro ao qual eu participei e eu fazia o papel de um menino travesso, de menino malvado. Depois que houve essa peça, eu fiquei conhecido na escola, entre eles, como o tio malvado. Eles saíam do carro: "Olha o tio malvado. Mamãe, olha o tio malvado".

No mesmo dia do reconhecimento, ele foi preso. A polícia já concluiu o inquérito. O Ministério Público ofereceu a denúncia à Justiça. A juíza da 1ª Vara de Barueri ouviu as partes e as testemunhas e deve anunciar a sentença já nos próximos dias. Mas o que está perto de um desfecho ainda gera muitas dúvidas.

Nesta semana, uma reportagem do jornal Folha de São Paulo enumerou o que seriam falhas no inquérito: falta de imagens de câmeras da escola, falta de laudos médicos periciais e falta de análise do computador do réu. Todas requeridos durante a investigação, mas que não tinham sido juntados ao processo.

No mesmo dia da publicação da reportagem e mais de seis meses após a prisão, dois laudos foram anexados ao processo: a análise do computador de Antônio e o exame sexológico das meninas. Segundo a apuração do Fantástico com advogados de defesa e acusação, os dois são inconclusivos.

“Existem câmeras e dentro também do ginásio, onde fica o prédio 14 que é o prédio da educação física, existem câmeras nos corredores. Se essas imagens não foram captadas é porque o meu cliente não passou por elas. Eu sou mãe, eu acompanhava as minhas filhas ali, eu ficava debaixo de uma câmera na porta da sala. O que não existe é câmeras dentro das salas”, argumenta a advogada de Antônio, Anabella Marcantonattos.

A advogada tem três filhas que estudam no mesmo colégio. Quando soube da denúncia ficou revoltada. Queria a punição. “Eu fui atrás de informações para acusar, não para defender”, admite.

Mas, ao acompanhar a investigação, ela diz que se convenceu de que Antônio era inocente e se ofereceu para defendê-lo.

Repórter:  A senhora já conhecia o Antônio?
Advogada:  Sim. Todos os dias ele me entregava minha filha. Uma e depois a outra
Repórter: A senhora nunca achou nada demais?
Advogada: De forma alguma. Não só eu como todos. Inclusive todos os colegas não têm nada.

Sessenta e seis pais de alunos assinaram um manifesto contra a prisão de Antônio. Outra falha apontada pela defesa foi a ausência de um profissional especializado para acompanhar as crianças no reconhecimento e no depoimento. Ouvida pelo Fantástico, a psicóloga Lucia Cavalcanti Williams, professora titular da Universidade Federal de São Carlos, é referência no estudo e prevenção à violência na escola. “Do ponto de vista da psicologia esse procedimento é questionável. Você precisa ser capacitado para entrevistar a criança e coletar essa fala de maneira cristalina, sem influenciar, sem colocar palavras na boca dessa criança”, destaca.

No depoimento, a primeira criança a fazer a denúncia disse que ela e outros três coleguinhas, duas meninas e um menino, teriam sido abusados pelo acusado diante de uma outra auxiliar de alunos.

Repórter: Ele teria molestado as meninas na sua presença.O que você tem a dizer sobre isso?
Auxiliar de alunos: É mentira. Isso nunca ocorreu, nunca. Eu desci só essas duas vezes com essa turma, mas acompanhada com a professora. Eu sei que isso está acabando comigo. Falo com total convicção que o Antonio também não fez”, garante.

Assim como Antonio, a auxiliar foi demitida no dia seguinte à queixa dos pais à escola. Já a polícia não viu nenhum indício contra ela, que acabou não sendo acusada. O menino também ficou de fora da denúncia porque, de acordo com os pais, ele não foi à escola no dia do suposto abuso.

A data é outro ponto duvidoso. O inquérito considerou 22 de abril, uma terça-feira, como o dia do crime.

“Eu nem cheguei a descer ao prédio. Na verdade, eu desci com a turma de educação física, mas a professora optou por dar aula no parque”, diz Antonio.

“Não se sabe o dia, semanas, meses, não tem a data certa da atuação, de quando elas foram levadas para o quartinho, porque o fato se repetia. Toda semana as queixas vinham. A assadura, a recusa de entrar na escola, a outra criança não querendo colocar a calcinha” diz a parente de uma das meninas.

Esta semana o próprio delegado publicou numa rede social que não era possível garantir com certeza quando os fatos ocorreram, nem em que local exatamente por se tratar de meninas de 3 anos que não têm capacidade de precisar os eventos no tempo e no espaço.

Um parecer psicológico chegou a ser feito mais de três meses depois do primeiro
relato da criança. Duas meninas reafirmaram o suposto abuso. A outra, justamente a primeira a denunciar o crime, dessa vez negou a acusação.

Menina: Ele me machucava.
Psicóloga: Onde?
Menina: No meu braço. Só no meu braço.
Psicóloga: Você lembra se ele fez mais uma coisa? Se brincou de um jeito diferente?
Menina: Não me lembro. Isso já passou.

“O ideal seria a criança ser ouvida uma só vez, no máximo duas. Mas o que ocorre no Brasil é essa peregrinação. A criança conversa com o profissional, depois com outro, e depois com outro. O relato dessa criança pode ser contaminando. É traumatizante para a criança”, diz a psicóloga.

Denúncias de violência sexual contra crianças são consideradas por juristas como casos muito difíceis e delicados. Em geral, os abusos ocorrem a portas fechadas, sem testemunhas, e muitas vezes a acusação se baseia no depoimento de crianças com pouca idade. Aí vem a pergunta: até que ponto a história contada por uma menina ou por um menino é suficiente para botar um suspeito na cadeia?

“Dada a imaturidade da vítima, dada a personalidade em construção, dada a situação psicológica, os depoimentos infantis têm que ser vistos com muita cautela. Eles nunca deveriam ser suficientes para embasar uma prisão. Temos que ver isso numa dimensão poucas maior, com todas as outras provas existentes no caso concreto”, diz o jurista Renato de Mello Jorge Silveira, professor titular da USP.

A parente de uma das meninas diz: “Eu acho que uma criança de 3 anos, ela não tem capacidade de discernir entre realidade e fantasia. Mas uma criança de 3 anos não tem capacidade para inventar um fato e atribuir um nome, como todas atribuíram tio Antônio, fazendo gestos e falando o que ele fazia”.

A difícil tarefa de decidir se Antônio é culpado ou inocente está nas mãos da juíza da 1ª Vara Criminal de Barueri.

“Eu tenho orado para que Deus, Ele dê coragem para essa juíza para ela fazer justiça. Porque ela vai precisar ter coragem para me inocentar. Quem analisa esse processo e vê, vê que tem erros. Mas ela vai ter que ter coragem para fazer justiça. Eu tenho orado a Deus para que dê essa coragem a ela”, diz Antonio.

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