Outono

  • Mazé Torquato Chotil
Outono

As folhas amarelas caem com o vento que balança os galhos das árvores. As calçadas vão ficando, nesta manhã que se inicia, como se fossem um tapete amarelo ainda não imaculado pelas passagens dos trabalhadores que logo mais vão surgir em direção de um ponto de transporte ou das crianças que vão para as escolas.

Ainda é noite. As lâmpadas de rua iluminam uma garoa fina que no chão reflete brilhos. Tão calmo nesta hora. Gosto desta época do ano, das cores e até das temperaturas que mesmo abaixando não são as do inverno. E quando o sol sai, ilumina estas cores entre amarelo, marron, com o verde que ainda não caiu, me alegra bastante. A cidade ainda tem muito cinza que nessa hora, com a escuridão da noite é menos visível. Uma preocupação em dotá-la de mais verde existe em alguns urbanistas. Vejo com alegria a criação de muros vegetais nas paredes de prédios e de separação. É como se o verde nos transformassem, tenho a impressão que somos mais humanos com ele.

Às vezes as perspectivas de inverno, do cinza, me deixam triste. Uma tristeza que não sei dizer de onde vem, como se instala. Foi o sentimento que tinha ontem, em caminho do hospital onde ele trabalha, para buscar B. que teve uma operação odontológica feita por ele. Nos vimos como se fosse ontem. Tive alegria em revê-lo. É como se fosse um filho, mesmo se a relação dele com minha filha se acabou e que não o revi durante dois anos. Se acabou de forma violenta, não física, mas psicológica, sem explicação, sem que estivesse preparada para isso.

A última vez que o tinha visto foi quando, pelas dez horas da noite, o vi de cara triste, nervoso, descer para a garagem onde tinha que tirar a bicicleta da caixa onde estava embalada para viagem, remontá-la a fim de ir embora, sozinho, para a casa dos pais. Não entendi nada. Ele e minha filha estavam preparando as coisas para partir no dia seguinte, bem cedo, pelo trem, com a ajuda de B. que propos leva-los para a estação onde tomariam um trem para Amisterdã de onde iam, pedalando, para Berlim. Uma viagem que tinham organizado para viverem um mês de descobertas por aqueles lados da Europa. No ano anterior tinham ido, de carro, para a região do sul: Itália...

Quando o vi nervoso, saindo de casa em direção da garagem, perguntei o que estava acontecendo, mas não obtive resposta. Minha filha desceu em seguida. B. também desceu um tempo depois, já que tinha começado a colocar os objetos no carro preparando a saida matinal. Voltou mais tarde dizendo que ele lhe disse que nossa filha tinha decidido que não estavam mais juntos! Espanto geral. Como? No último minuto? Quando ela volta da garagem tempos depois, não explica nada, parte com seu saco de pertences, somente diz que iria para a casa da amiga. Mas por quê? O que estava acontecendo? Não nos disse mais nada. Começamos a entendê-la melhor atualmente: foge das coisas ao invés de vê-las. “Fugiu” sem nos dar explicação. Durante mais de dois anos tínhamos convivido com o casal que quase todos os finais de semana, e durante a semana, estava conosco, vivendo no apartamento. Ligações afetivas se instalaram conosco. E naquele momento, a violência de uma não informação nos fez mal. Uma fugida. Sem explicação. Acabou! Os pais não têm direito a mais nada como informação! Não voltou no dia seguinte, nos disse que iria viajar com a amiga para o sul da França. Quando voltou não deu mais explicações. Tinha acabado e pronto. A questão não era de não aceitar sua decisão, mas de compreender o que aconteceu. Desfazer a violência.

E ali, ele acompanhava seu paciente na saída da operação de uma hora. Nos ajudou a fazer o que tinha que fazer na recepção com as questões adminsitrativas. Antes, porém, nos informou do que poderia acontecer após a operação. Jovem, inteligente, tem um futuro importante pela frente.

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