Caarapó vive clima de guerra e índios ampliam ocupações

  • André Bento
Policiais passaram a tarde em negociação com índios que ocupam fazendas em Caarapó (André Bento)
Policiais passaram a tarde em negociação com índios que ocupam fazendas em Caarapó (André Bento)

O clima vivido em Caarapó é de guerra. Pelas ruas da cidade, os rápidos deslocamentos do comboio de forças de segurança pública chamam a atenção. São policiais militares, federais e rodoviários federais que transitam da base da PM (Polícia Militar) até a Fazenda Novilho, ocupada por guaranis kaiowá desde a tarde de terça-feira (14), depois que um ataque supostamente praticado por ruralistas deixou um índio morto e seis feridos.

Nesta quarta-feira (15) a Funai (Fundação Nacional do Índio) enviou de Brasília dois servidores especializados em gerenciamento de crises. Eles acompanharam os procuradores da República Marco Antônio Delfino de Almeida e Ricardo Ardenghi, que atuam no MPF (Ministério Público Federal) de Dourados e Ponta Porã, respectivamente.

A intervenção dessas autoridades fez avançarem as negociações que tiveram início um dia antes comandadas pela PF (Polícia Federal). Às 16h desta quarta os índios devolveram duas pistolas e uma espingarda calibre 12, além de equipamentos que haviam tomado de três policiais militares feitos reféns no dia do ataque à Aldeia Te' Ýikuê. Ainda faltou uma pistola, carregadores e munições, segundo as autoridades.

E os indígenas decidiram falar. Uma agente de saúde que preferiu não ter o nome revelado por temer represálias afirmou que 150 homens, dentre os quais fazendeiros conhecidos da região, promoveram um ataque armado na manhã de terça. “Eles começaram a atirar vindo para dentro da aldeia”, garante. Segundo ela, o número de vítimas é maior do que o divulgado até agora. “Na nossa contagem a gente socorreu sete com tiro de bala e mais de 10 com bala de borracha. Os outros não quiseram ir no hospital e lavamos os ferimentos com soro fisiológico”, explica.

No Hospital São Mateus, de acordo com a administradora Conceição Aparecida Picolo, chegaram sete vítimas. Destas, uma mulher foi baleada no braço, sem gravidade, e permanece internada; foi ouvida hoje pela PF, que investiga o ataque. Outros quatro adultos e uma criança levaram tiros no tórax e abdômen e precisaram ser transferidos para o Hospital da Vida em Dourados, mas estariam fora de risco.

São sobreviventes do ataque Catalina Rodrigues, Libesio Marques Daniel, de 43 anos, Valdívio Garcia, de 26 anos, Jesus de Souza, de 29 anos, Norivaldo Mendes, de 37 anos e um adolescente de 12 anos. Mas o agente de saúde Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, de 23 anos, já chegou sem vida à unidade hospitalar de Caarapó.

O delegado Marcel Maranhão Rosa comanda a ação da Polícia Federal na área do conflito e diz já ter iniciado as investigações. “Nosso papel aqui é apurar o crime contra a coletividade indígena, identificar os feridos e os autores dos disparos”, informou, revelando já ter colhido depoimentos e reunido provas documentais, com vídeos. “Também cumprimos mandados de busca domiciliar na fazenda do confronto e veicular nos veículos que estavam lá”, diz. Nesse caso, houve consentimento dos proprietários, segundo o delegado, que alega não ter encontrado armas.

A morte de Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, filho do vice-capitão da Aldeia Te' Ýikuê, é apontada como estopim para a série de ocupações que teve início hoje. Além da Fazenda Novilho, onde as negociações se concentram, foram ocupadas a Fazenda Santa Maria, o sítio Boa Vista e a Fazenda Yvo, que é indicada como palco do ataque da manhã de terça.

Proprietário do sítio de 17 hectares ocupado na manhã de hoje, Ademir Ramos, de 42 anos, lamentava ver a fumaça subindo entre as árvores que cercam a sede de sua propriedade. “Eu nasci e fui criado aqui. Os índios saíram da Fazenda Yvu e invadiram meu sítio”, explicou, junto a outros funcionários de fazendas que observavam a uma distância de 800 metros o grupo de indígenas. Era possível ouvir disparos.

Até chegar nessa propriedade, que fica no outro extremo da aldeia, onde a polícia não foi, percebia-se claramente o clima de medo. Funcionários de fazendas da região mandaram filhos e mulheres para a cidade. Alguns nem dormiram no trabalho, receosos de novas ocupações e possíveis confrontos.

Responsável pelo comando do Corpo de Bombeiros de Caarapó desde o dia 8 deste mês, o major Humberto Matos precisou acionar todo seu efetivo no dia do ataque. Os chamados por socorro tiveram início exatamente às 10h51. “Foi uma das ocorrências mais tensas que já participei”, confessa. Segundo ele, o período no sub-comando do 2º Grupamento, em Dourados, lhe deu a experiência necessária para saber lidar com a situação crítica.

Quando foi acionado, o Corpo de Bombeiros entrou em contato com a PM e foi informado de que uma viatura já estava a caminho do local. Os três policiais que pretendiam dar suporte ao resgate das vítimas foram algemados e agredidos por índios. Gasolina foi ateada a seus corpos, que só não foram queimados vivos por causa da rápida intervenção de bombeiros que voltavam ao local para continuar os salvamentos. Ficaram para trás as armas, das quais parte foi recuperada hoje.

Apesar desse pequeno avanço nas negociações, o clima de tensão no local não diminuiu. A mesma indígena que narrou o ataque afirma que as ocupações vão continuar a ocorrer nas propriedades vizinhas à aldeia. “As lideranças estão decidindo que vamos ficar porque vamos retomar as terras que são nossas”, disse. Diante das queixas de produtores que alegam prejuízos, os procuradores da República argumentam que a prioridade é salvar vidas; retirar máquinas agrícolas e colher a safra de milho devem entrar na pauta de negociações futura, assim que o conflito for contido.

Existe a previsão de que uma tropa da Força Nacional de Segurança desembarque em Mato Grosso do Sul e se dirija até Caarapó nesta quinta-feira (16), quando os procuradores da República e policiais voltarão à área de conflito para dar continuidade às negociações.

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