Com R$ 1,4 bilhão em dívidas, usina de Bumlai demite quase 600 em Dourados
Grupo São Fernando enfrenta atualmente o quinto pedido de falência feito pelo BNDES, seu maior credor
Quando começou a operar, no início de 2009, a Usina São Fernando Açúcar e Álcool projetava atingir em 2017 sua capacidade plena de produção. Localizada no município de Dourados, era a grande promessa da economia regional, com geração de 2 mil empregos. Mas a empresa do poderoso empresário e pecuarista José Carlos Bumlai, preso pela PF (Polícia Federal) na 21ª fase da Operação Lava Jato, amarga atualmente uma dívida de R$ 1,4 bilhão e desempregou quase 600 trabalhadores num intervalo de sete meses.
Desde 2013, as empresas do Grupo São Fernando, que além da usina congregam as São Fernando Energia I Ltda, São Fernando Energia II Ltda, São Marcos Energia e Participações Ltda e São Pio Empreendimentos Participações Ltda, passam por um processo de recuperação judicial que corre na 5ª Vara Cível de Dourados. Nesse período, enfrentou pedidos de falência de credores como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Nomeado pelo juiz Jonas Hass Silva Júnior para atuar como administrador judicial das empresas e evitar a falência, o escritório Vinicius Coutinho Consultoria e Perícia S/A Ltda informou dívida total de R$ 1.327.978.900,00 em documento anexado ao processo no dia 17 de junho de 2013.
No dia 21 de março de 2016, ao trocar ofícios com o desembargador Fernando Mauro Moreira Marinho, que julgava um agravo de instrumento interposto pela Heber Participações na 4ª Seção Cível do TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), o magistrado de 1ª instância relatou que as empresas do Grupo São Fernando “devem em torno de 1,4 bilhão de reais”.
DEMISSÕES EM MASSA
A dívida crescente do Grupo São Fernando é agravada pelos resultados negativos dos balanços fiscais apresentados até agora, por R$ 488.483,578,66 em contas atrasadas desde 2015 e cinco pedidos de falência feitos pelo maior credor, o BNDES. O resultado dessa crise é sentido, sobretudo, pelo elo mais fraco, os trabalhadores.
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Açúcar e Álcool de Dourados, Donizetti Aparecido Martins revelou à 94FM que em outubro de 2015 foram ao menos 400 homologações de acordos para rescisão contratual. Em maio deste ano, mais 180 demissões. São quase 600 desempregados num intervalo de sete meses.
O sindicalista reconhece que a situação é preocupante, mas argumenta que nesse mesmo período 120 trabalhadores foram remanejados ou readequados no quadro da empresa para evitar mais demissões. “Infelizmente, como a empresa está numa situação difícil, não tem a mesma produção”, pondera.
FACÃO
No mais recente “facão”, como se referem os trabalhadores às demissões massivas, um motorista de 54 anos perdeu o emprego que mantinha há 6 anos. “Chegaram e me falaram que iam me demitir por causa de corte de gastos. Foi melhor assim, porque se eu ficasse e a empresa falisse não receberia nada”, diz, resignado.
O mesmo ocorreu com um operador de máquinas de 26 anos, que havia sido contratado no começo das operações da usina. “Voltei de férias e me mandaram embora no início de maio. Foi meio que de surpresa. A gente não fica esperando e faz contas”, lamenta. Ambos os trabalhadores preferem não ter as identidades reveladas, já que os acertos que fizeram com a empresa ainda não chegaram ao fim e temem problemas.
Nos dois relatos obtidos pela reportagem da 94FM, foi informado que os valores de verba rescisória e FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) serão parcelados em 12 vezes. O representante da categoria, Donizetti Aparecido Martins, confirmou esse parcelamento e ainda explicou que os trabalhadores demitidos em outubro de 2015 só receberam as últimas parcelas do acerto no mês passado.
“A verba rescisória foi parcelada em cinco vezes e o FGTS em seis”, informa. De acordo com o líder sindical, isso ocorre por causa não apenas da recuperação judicial pela qual passa a usina, mas também pelo alto valor das rescisões, que em geral atingiram “funcionários com cinco ou seis anos de casa”, segundo ele.
LAVA JATO
Para a empresa que foi a grande aposta da economia regional, com até três mil empregos gerados, a crise econômica que atingiu em cheio o setor sucroenergético não foi o único problema. Dono do grupo, o empresário José Carlos Bumlai é um dos presos da Operação Lava Jato, que apura fraudes no alto escalão do governo federal. Amigo pessoal do ex-presidente Lula, construiu e estruturou a Usina São Fernando com empréstimos obtidos no final de 2008 e início de 2009 junto ao BNDES. Somados, totalizam R$ 395,173 milhões.
Para o MPF (Ministério Público Federal), Bumlai participou ativamente do esquema de corrupção que envolvia contratos milionários da Petrobras. Na 21ª fase da Lava Jato, a Usina São Fernando foi alvo de mandados de busca e apreensão cumpridos por agentes da PF (Polícia Federal) que passaram até 10 horas nos escritórios da unidade. Na mesma ocasião o dono da empresa era preso.
DÍVIDAS
Na mais recente lista de credores informada pelo administrador judicial da São Fernando, em documento anexado ao processo no dia 29 de fevereiro deste ano, é reconhecida uma dívida de R$ 868.937.506,11. Desse montante, 66 credores trabalhistas têm a receber R$ 1.373.247,99. Outros sete credores de garantia real esperam pelo pagamento de R$ 488.483.578,66. E os 832 credores quirografários, divididos em três classes, aguardam a quitação de R$ 379.080.679,46 em débitos da usina.
Mas o valor total pode chegar a R$ 1.074.561.643,75. Isso porque a Heber Participações S.A consta como credor com voto apartado, com R$ 109.426.066,46 a receber como garantia real e R$ 96.198.071,18 na condição de quirografário. Esses valores totais correspondem ao que têm a receber todos credores listados pelo administrador judicial da São Fernando, funcionários, fornecedores e instituições financeiras. Contudo, pelo que informou o juiz responsável pelo caso, o montante devido pelo grupo de Bumlai pode chegar a R$ 1,4 bilhão.
Nos dias 10 e 17 de março deveria ter ocorrido uma assembleia geral com esses credores. Determinada pelo juiz Jonas Hass Silva Júnior, serviria para avançar nas negociações que objetivam a quitação das dívidas. Mas a 4ª Seção Cível do TJ-MS suspendeu o evento. O motivo foi um recurso interposto pelo banco BNP Paribas, que tem a receber US$ 26.144.804,02 e R$ 105.677.297,86 e pediu alterações no Quadro Geral de Credores.
FALÊNCIA
Desde o início do processo de recuperação judicial, o BNDES já requereu por cinco vezes que fosse decretada a falência do Grupo São Fernando. No mais recente pedido, feito no dia 17 de junho, alega que a usina não paga o que deve há dois anos. Maior credor, o banco estatal tem a receber, segundo o administrador judicial do Grupo São Fernando, R$ 268.912.896,19. Mas o montante pode ser maior, já que é contestado pelo agente financeiro.
Procurado pela reportagem, o escritório Vinicius Coutinho Consultoria e Perícia S/A Ltda informou que não interfere nas decisões que envolvam cortes de pessoal da usina, mas reconheceu que a saúde financeira da empresa não está boa. Já o Grupo São Fernando não atendeu às ligações direcionadas ao departamento de Recursos Humanos da usina.